De um lado, uma dedicada profissional, dona de “franqueza” (na definição do diretor Hamilton Vaz Pereira) e “formadora de seres humanos”, como detecta o ator Marcos Palmeira; do outro, uma instituição sexagenária — um espaço de convivência, que unia “pessoas de diferentes camadas sociais, cores e idades”, pelo que sintetiza a atriz Malu Mader. Unindo as duas pontas, um documentário: O Tablado e Maria Clara Machado, assinado por Creuza Gravina, dona do “projeto pessoal” que, a partir de 45 horas de filmagens e presença de 61 entrevistados, traça homenagem para a mais reconhecida das autoras de teatro infantil no Brasil. “As peças são lindas, independentemente da idade da plateia. Elas levam uma mensagem especial”, observa ela.
Na produção, transparecem as situações de identificação das montagens, diluídas em imagens de arquivo, fotos e mesmo breves leituras dramáticas contemporâneas. “A menina e o vento, por exemplo, mostra uma protagonista percebendo outros focos para a vida. Há a amizade do tímido Pluft, o fantasminha, que confia na menina da peça por ela ser criança, e assuntos como o amor incondicional de O cavalinho azul”, explica a diretora do longa, previsto para estrear até outubro, no ano em que professora faria 90 anos e o Tablado completa seis décadas.Presente no filme, a crítica teatral Bárbara Heliodora, que já foi árvore e girafa em montagens de Maria Clara, comenta: “Não eram textos que faziam as crianças de bobinhas, eles tinham conteúdo”.Criado em 1964, o curso mantido pelo Tablado rendeu aperfeiçoamento para talentos como Luiz Carlos Tourinho, Louise Cardoso, Sura Berditchevsky e Marcelo Serrado, todos integrantes do documentário. Estudante do Tablado por nove anos, Creuza Gravina tomou as rédeas do projeto, pela lacuna de registro audiovisual. “Comecei quando Maria Clara estava viva e seria ela contando a história de sua vida, mas ela morreu antes. Não queria que as pessoas dessem depoimentos sofridos. Foquei nelas contando as experiências e a formação na escola”, explica.Da “soldada do Tablado” Andréa Beltrão ao marco zero para a carreira de Marieta Severo (“tudo começou aqui”, diz), O Tablado e Maria Clara Machado registra momentos especiais para os atores Lupe Gigliotti e Ernesto Piccolo. Enquanto a atriz (morta em dezembro passado) declama um poema para a professora (“teatro é jogo é alegria”/ “fui pra lá (o Tablado), ressuscitar”), Piccolo comenta do medo inicial (“pra mim, ela era uma entidade”) até ser tomado pela emoção da lembrança de atuar em O cavalinho azul.Painel de geraçõesMunida de câmera digital e da experiência de mais de 15 anos de teatro, Creuza Gravina, que desenvolveu o roteiro, produziu e auxiliou na edição, contou não apenas com dotes de analista de sistemas para acirrar o senso de ordenação necessário à fita. “Talvez, por ser virginiana”, brinca. Numa corrente larga, 61 entrevistados compõem o painel de diferentes gerações, além de colaborarem, ludicamente, com a colcha de retalhos formada por trechos de peças dispostos no longa (com 75 minutos). “Teria material para fazer vários filmes ou uma série”, comenta a diretora Gravina. Cinco anos foram empregados no filme, que ainda exigiu mais dois anos para a legendagem, feita em inglês e espanhol.Ultrapassando a abordagem artística, o longa, na percepção da diretora, que tomou parte em mais de 11 festivais, pode ampliar o público-alvo prioritário: estudantes de teatro e alunos de escola pública. “Busquei um dinamismo, e o interesse pode vir também por causa das pessoas que estão na mídia e contam parte de suas formações. O filme mostra o espírito do trabalho em grupo e da união”, sublinha.Requisitado por programações de cineclubes e escolas, O Tablado e Maria Clara Machado imprime um retrato de um ícone avesso ao posto de “celebridade”, como reforça um dos entrevistados. Sem ter tido aulas com a mestra — “naquela época, só dava aula para crianças e idosos” —, Creuza, entretanto, acompanhou parte do cotidiano de Maria Clara na secretaria do Tablado e nas estreias de peças. Foram momentos que complementaram o aprendizado. “Para mim, ficou a valorização do teatro amador, o amor dela ao teatro. Ela tinha medo de a pessoa estudar só para adquiri registro profissional. Isso era uma consequência. Ela queria que fizéssemos tudo com muito amor, sempre pensando no que seria levado para o público”, conclui.
Aqui em Brasília,trechos do filme foram apresentados no projeto Mitos do Teatro Brasileiro em homenagem a Maria Clara Machado.
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