Projeto concebido originalmente para a área de Ideias do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) Brasília, Mitos do Teatro Brasileiro é calcado na memória das artes cênicas nacionais.

quarta-feira, 20 de junho de 2012

terça-feira, 19 de junho de 2012

Grandiosa revista de Walter Pinto






Livro analisa o acervo fotográfico de Walter Pinto, empresário que elevou a produção brasileira ao esmero internacional

SÉRGIO MAGGIO

A capital do Brasil era uma festa nos anos 1950. Mulheres lindíssimas de pernocas à mostra desciam escadarias iluminadas, num cenário luxuoso, de cair o queixo. De plumas e paetês, desfilavam como misses emendando palavras e canções que construíam um audacioso empreendimento cultural, que alinhava o Rio de Janeiro aos grandes centros de entretenimento do mundo. Ao redor dessa parafernália tecnológica, estava a fina flor da comédia nacional, que aparava as vedetes e as girls numa ágil cena que, como uma crônica, desenhava um país rumo aos anos alegres de JK.
Nos bastidores, Walter Pinto (1913 — 1994), o empresário que engrandeceu as revistas desde agosto de 1940, acompanhava, em detalhes, a magnífica obra se erguer diante de uma sociedade que se desenvolvia, tendo no teatro, uma expressiva forma de diversão. Yes, nós tínhamos o musical e era um luxo, que caminhava paralelo e imponente à renovação de formas e de processos de criação teatral, com a ascensão de grupos amadores como Os Comediantes, que tinham montado o histórico Vestido de noiva, de Nelson Rodrigues, em 1943 —  marco da entrada do Brasil na modernidade cênica. 
— A Companhia Walter Pinto não participou das discussões e reflexões sobre os rumos que o teatro deveria tomar, no entanto, esteve atuante durante as duas décadas que configuraram esse ambiente de busca de novos padrões de encenação e dramaturgia inspirados em modelos europeus. Se não houve canais explícitos de diálogo entre o empresário e os grupos de teatro de arte, sua permanência em cartaz evidenciou caminho paralelo de renovação, pau00tado nas tentativas de atualização do gênero, mediante a contínuos investimentos em aparato tecnológico, observa Filomena Chiaradia, no prólogo do livro Iconografia teatral, acervos fotográficos de Walter Pinto e Eugénio Salvador.
A obra é resultado de preciosa análise iconográfica do acervo tanto da companhia brasileira de Walter Pinto (1940 — 1961), quanto da portuguesa de Eugénio Salvador (1908 —1992). Filomena teve acesso ao acervo dos dois criadores. O primeiro depositado sob os cuidados da Funarte, no Rio; o outro, guardado no Museu Nacional do Teatro, em Lisboa. É diante desses vestígios de um teatro apoteótico que a pesquisadora realiza importante análise iconográfica. São exercícios a partir de imagens históricas de revistas como Muié macho sim sinhô, nos quais a autora consegue explorar, em detalhes, o processo de produção dos elementos cênicos: cenários, objetos de cena e figurinos.


Recheio de vedetes
É possível observar parte da engenharia para erguer montagens complexas, com espécies de carros alegóricos como o “Bolo real”, “recheado” de vedetes e girls seminuas, como Virgínia Lane, Marina Marcel, Helena Martins e Joana D’Arc. A grandiosidade desse cenário, que tomava conta de toda a área cênica do Teatro Recreio (Praça Tiradentes), mostrava o quanto era potente o investimento de Walter Pinto para montar uma revista.
— Nessas imagens (de bastidores) não se evidencia o glamour, o belo, de forma tradicional; revela-se antes o truque, o modo de fazer, ou seja, outro sentido de beleza na perspectiva de construção de cena. Qual a intenção de Walter Pinto com relação a essas fotos em que se destacam o maquinário e o trabalho técnico da equipe? Uma hipótese é a de querer deixar registrado aquilo que era o motivo de seu orgulho: criar os melhores efeitos cenotécnicos, construir cascatas no palco, cortinas de fumaça, elevadores, propõe Filomena.
Entremeando a análise das imagens com fatos históricos, como o incêndio de 10 de novembro de 1950, que atingiu o escritório de Walter Pinto e um depósito de roupas do Teatro Recreio, Filomena Chiaradia segue em empolgante levantamento estético sobre os modos de produção das revistas de Walter Pinto, estendendo-se às de Eugénio Salvador (1908 — 1992), o grande nome dos musicais português no século 20.
— Assim como Walter Pinto no Brasil teve seu nome associado a espetáculos grandiosos, bem-acabados e com cuidadosa produção, atenta aos vários elementos indispensáveis à encenação de uma revista, Eugénio Salvador também primou por montagens de qualidade, contratando sempre elementos estrangeiros como atrações de destaque em cada espetáculo e mantendo elenco fixo. Bibi Ferreira trabalhou em cinco revistas de Eugénio Salvador, de 1957 a 1960, observa Filomena.        


ICONOGRAFIA TEATRAL, ACERVOS FOTOGRÁFICOS DE WALTER PINTO E EUGÉNIO SALVADOR.

De Filomena Chiaradia. Editora Funarte. 412 páginas. Preço R$ 47.

terça-feira, 5 de junho de 2012

Lady Shakespeare


Sérgio Maggio

Maior referência na crítica teatral no país e sumidade na dramaturgia do autor inglês, Barbara Heliodora recebe o Correio em casa e suspira quando fala de teatro



SÉRGIO MAGGIO


Rio de Janeiro — Do entorno do casarão do século 19, uma garça, estática como se fosse um enfeite de louça fincado num jardim, quebra a imobilidade e voa ganhando o céu carioca. Pousa sobre o sobrado que testemunhou a Corte virar metrópole. Numa das laterais da edificação, um filete do que sobrou de um rio mítico, onde índios Tubinambás banhavam-se acreditando que aquela água tinha o dom de seduzir, corta o lugar. Há uma aura de relíquia guardada naquele pedaço de cidade. Dentro da edificação histórica, uma mulher compõe a trajetória do teatro mundial. No escritório recoberto de 2.500 livros, as mãos tocam no teclado do computador como se fosse um piano. O texto que escorre pelo monitor ecoa como uma partitura que recria a epopeia do homem em se expressar por meio da arte de representação. A narração já aportou no século 20, daqui a pouco a escritora vai pôr o ponto final. Antes, interrompe pacientemente a criação, para falar sobre paixões.
— Ah, o teatro, suspira Barbara Heliodora, apontando as estantes que somem de nossas vistas diante do imenso pé direito do casario.
É preciso dobrar o pescoço para trás para acompanhar a quase infinitude de livros. Três módulos da estante só dedicados a William Shakespeare, autor cujas palavras a acalentaram desde quando era uma jovem estudante de filosofia nos Estados Unidos. Pelo bardo, a garota de 20 anos comportava-se como se fosse uma Julieta, perdidamente apaixonada e disposta a tudo para perder-se em seus braços. Pelo maior dramaturgo de todos os tempos, a mulher se entregou intimamente à arte teatral com a mesma disposição de Hamlet para honrar a sinistra morte do pai.
— Sempre espero encontrar um bom Shakespeare montado no Brasil, como Romeu e Julieta, do Grupo Galpão. Ah, como essa montagem é comovente e maravilhosa, preservando o espírito da peça… É apaixonante. Da última vez que eles vieram ao Rio, num Teatro Carlos Gomes apinhado de gente, no fim, não sei quem chorava mais: se eram os atores que se despediam da temporada ou os espectadores caídos em prantos.
A mais importante crítica de teatro do país e, na mesma proporção, a autoridade maior em William Shakespeare, Barbara Heliodora, se transporta para aquela sensação única, vivida e preservada como um relicário. Às vésperas dos 89 anos (completados em 29 de agosto), 45 deles dedicados ao ato de escrever resenhas jornalísticas sobre milhares de espetáculos (ele calcula ter visto entre 2.500 e 3.000 obras), ela está longe de ser uma analista racional, que despreza as impressões após concluir o ofício de elencar os erros e os acertos numa montagem teatral. Muito embora há quem tenha medo ou venere Barbara Heliodora.
— Não sou um mito e acho isso horrível. No início, fiquei assustada. Algumas pessoas criaram essa imagem. Nem sei por que inventaram essas coisas. Acho que cada um elege o crítico que melhor conversa com o seu gosto. Acredito em duas verdades: o bom crítico precisa ser o mais isento possível e é impossível um crítico ser totalmente isento. Trago ao espetáculo toda a minha formação e, claro, essa visão vai pesar quando escrevo. Por isso, é bom ter vários críticos atuando numa mesma cidade.
Triturando o próprio mito, Barbara Heliodora se posiciona como uma espectadora atenta. Lógico que com conhecimento especializado, mas acima de tudo uma espectadora, que jamais quis ser maior que o espetáculo. Sabe o quão é difícil transformar o texto de papel na peça que vive e respira junto do público. É uma pessoa que tem por função mediar as impressões da montagem tanto com os artistas quanto com a plateia. O duplo objetivo lhe parece na medida certa. Tudo que vem a mais é encarado com um certo exagero.
— Não estou escrevendo para o futuro. A minha crítica é para o aqui e agora.
Nas coxias dos teatros cariocas, grupos fluminenses e visitantes se ouriçam quando alguém da produção chega e avisa que Barbara Heliodora já está sentadinha na poltrona. O natural frio na barriga já virou devaneios. Teve um diretor que perdeu as estribeiras e tentou impedi-la de assistir à peça; outro, mais ressentido, desejou que a morte lhe visitasse com brevidade. São histórias desagradáveis, mas que a mulher de santo forte tira de letra.
— Sei que os elogiados me adoram (ri). Uns dois ou três diretores já me disseram que, quando a crítica é negativa, a frequência da peça não chega a cair, mas, quando é positiva, levanta a temporada.
Firme e honesta em suas posições estéticas, Barbara Heliodora é, decerto, dona de uma credibilidade capaz tanto de alçar nomes desconhecidos no mercado, quanto de ressuscitar carreiras em declínios. Do alto de sua maturidade, orgulha-se de nunca ter perseguido esse ou aquele artista. Para ela, que atualmente escreve semanalmente em O Globo, o objeto de todo o seu apreço é o espetáculo em sua magnitude. Se a montagem estiver condizente com o crivo dela, não há por que economizar nos elogios.


Dama histórica



Totalmente a favor do teatro, Barbara Heliodora é testemunha da evolução das artes cênicas no Brasil, sobretudo nos anos 1950 e 1960, quando viu o país abraçar a modernidade com dramaturgias que refletiam os problemas nacionais e montagens esteticamente ousadas. Nesse contexto, ajudou a fundar o Círculo Independente de Críticos Teatrais, ao lado de nomes como Paulo Francis e Sábato Magaldi. A instituição postulou um outro formato para as resenhas jornalísticas, agora mais objetivas e que clamavam por um teatro renovado.
— Antes, era algo assim: “Fulana ficou ótima com o figurino cor de rosa”. Fizemos também um intenso trabalho de formação de plateia, com sucessivos cursos de história do teatro e conferências.
Antes, quando ia ao espetáculo, ela fazia as devidas anotações. Faz tempo que erradicou esse procedimento. Agora, observa tudo com a mente funcionando a mil. Há uma minúscula parte do seu cérebro que rabisca tudo para ela, enquanto os olhos se entregam desde o primeiro instante da narrativa. Revela que os 15 minutos iniciais são cruciais em sua apreciação. Se está perdida, já era. É sinal de que a peça não se comunicou. Essas impressões são levadas ao computador e arrumadas em partes: uma apresentação da peça, uma análise do texto, da encenação (figurino, cenário, luz, trilha), a condução do diretor, a performance dos atores e um desfecho de arremate. Tudo agrupado naquelas poucas dezenas de linhas — limitante da crítica jornalística. Os estudiosos que se debruçam sobre o trabalho dela, dizem que é pura semiótica (ciência que estuda os signos). Barbara ri dessa bobagem.
— Se sou semiótica, foi por mera coincidência. Nunca estudei uma linha sobre isso.
Tudo que aprendeu foi se debruçando sobre textos e vendo teatro. Quando voltou dos Estados Unidos, fez uma vivência em O Tablado, da amiga Maria Clara Machado, para entender como se faz o milagre teatral, capaz de suscitar toda sorte de sentimentos, que para a crítica Barbara Heliodora, devem ser ditos com extrema honestidade e sem meias palavras. Gostem ou não.

sábado, 2 de junho de 2012

A última entrevista de Nelson Rodrigues


A última entrevista de Nelson Rodrigues

publicado em 
Entrevista de Nelson Rodrigues, concedida em outubro de 1980, ao jornalista Tom Murphy, do jornal “Latin American Daily Post”. O dramaturgo morreria dois meses depois
 Nel­son Rodrigues
Tom Murphy
Fui recebido por um homem pálido, até mais alto do que eu imaginava, de calça azul mal ajustada pelos largos e famosos suspensórios; um homem lento no andar e na fala. Lento de dar pena. Anos depois conheci Alfredo Machado, dono e cabeça da Editora Record, a quem relatei a experiência daquele dia: “Entrevistei o Nel­son Rodrigues dois meses antes da morte dele; ele já estava doente, muito mal mesmo”. O grande mentor de tantos escritores brasileiros riu: “Nelson estava muito mal sempre”. Naquele ensolarado outubro de 1980, tive o privilégio de conversar durante uma hora e pouco — sentado, como tantos de seus personagens, diante da simples mesa de cozinha — com Nelson Rodrigues. O cenário era bem Nelson: um apartamento escuro e assombroso na beira da alegre praia carioca do Leme, um cheiro leve, não do mar, mas de desinfetante. Na época eu trabalhava para o “Latin American Daily Post”, jornal de língua inglesa, que publicou a entrevista dias depois. Foi só em dezembro que eu soube da real dimensão da doença de Nelson, quando ele deu entrada num hospital. No mesmo mês, dia 21, ele morreu, aos 68 anos.
A partir da morte dele, a entrevista, que permanecia inédita em português, virou, para mim, uma grande curiosidade, quase um talismã. Eu fui um dos últimos a falar com Nelson Rodrigues, o famoso e, para tantos, infame e tarado homem das letras — o par de Tennessee Williams e Jean Genet da dramaturgia brasileira. Já no fim, já enfartado e safenado, mas nada manso, era lúcido e atuante, o maior dramaturgo nacional.
 
Qual é sua visão sobre o papel dos intelectuais no Brasil?

Os intelectuais brasileiros não têm nenhuma importância. Há algumas exceções, como o grande sociólogo Gilberto Freyre, mas estes constituem um grupo seleto.
Os escritores brasileiros, pelo menos, conseguem mostrar a realidade brasileira?

A cultura brasileira não é uma cultura escrita. O pouco que existe hoje da cultura brasileira é estéril. Não se escrevem romances, poemas e ensaios como antes. E só é assim que o escritor tem possibilidade de tocar nos assuntos mais profundos. O que falta entre os intelectuais brasileiros de hoje é paixão. Não dá nem para ler os jornais. As notícias são velhas! Antigamente, até os jornais eram mais dinâmicos. Um jornal como “A Noite” saía com as notícias do mesmo dia! E com muito espírito. Do ponto de vista da cultura, o Brasil hoje vive uma fase de transição. Existe uma literatura aguardando para nascer. Vai nascer cedo ou tarde, pelo menos eu espero. A literatura brasileira aguarda um gênio para tirá-la do tédio. Por enquanto, porém, não há gênio à vista. (Em 1980, os escritores e intelectuais brasileiros pareciam confundir-se com políticos, num país que corria para a mudança do regime militar para a democracia. Nelson Rodrigues criticava essa posição. Ao mesmo tempo, dizia que o mundo estava sendo dominado pelos “idiotas”.)
Qual sua opinião sobre intelectual e política na atualidade brasileira?

O intelectual que entra na política não faz nenhum bem para ninguém. Em primeiro lugar, não entende nada da política. An­tigamente, a política era uma profissão para pessoas com determinados conhecimentos e hábitos. Era um dom. Todo mundo virar político é ridículo. Mas, hoje, os intelectuais vão aos comícios. Para quê? Para aparecer, tirar foto e vê-la nos jornais. Para o artista, a melhor maneira de servir a pátria é servindo arte.
Qual é sua avaliação do Brasil de hoje como sociedade?

A verdadeira história do Brasil só vai começar com a chegada em cena de uma grande figura, um Napoleão. Os Estados Unidos tiveram George Washington, a França, Napoleão. Nós tivemos Juscelino Kubitschek, um grande homem, de certa forma, com grandes qualidades, mas quando eu falo de um Napoleão, eu me refiro a algo muito maior do que um Juscelino. A China, por exemplo, teve Mao [Tsé-tung] e Chiang Kai-Shek, homens que correspondiam às necessidades da época.
E o Brasil de hoje?

Antigamente, todos eram idiotas e o sabiam. O mundo tinha milhões de idiotas, todos humildes. Muito sabiamente, eles se consideravam idiotas. Mas hoje em dia, quase todas as pessoas se consideram competentes. Os idiotas querem ser professores, ministros, presidentes. O nosso mundo é dominado pelos idiotas. A única maneira de combater essa onda de idiotice é através de um homem com o magnetismo de um Napoleão. O problema do Brasil é o mesmo de todos os países subdesenvolvidos: a falta de autoestima. Quando um povo não acredita em si mesmo, não acredita em nada. Bom exemplo disso é a mania do povo brasileiro de massacrar a seleção de futebol. Isso me irrita profundamente. É só a seleção errar em uma coisa e todo o País vem em cima. O brasileiro só sabe torcer pela seleção quando ela está ganhando. Quando perde, vem em cima com chicote.
O sr. disse que o homem competente não tem vez. E o artista brasileiro?

Não. Eu, por exemplo, sempre tive de trabalhar como jornalista. Não que eu despreze a profissão. Mas, nos Estados Unidos, um escritor lança um best-seller e já pode se aposentar. No Brasil, você tem de trabalhar até o fim da vida. Se eu tivesse escrito tudo nos Estados Unidos que eu escrevo aqui, eu hoje seria um homem milionário. Mas em vez disso, eu ainda tenho de trabalhar para comer.
Eu gostaria que o sr. falasse um pouco sobre a censura e o modo como ela afetou sua carreira.
Tenho muito a falar sobre censura. Sou autoridade no assunto. Nos últimos 35 anos eu tenho sido o autor brasileiro mais censurado. Censura é uma barbaridade, uma monstruosidade. O único papel legítimo para a censura é classificatório, ou seja: pode somente limitar certas coisas para certas faixas etárias. Não pode limitar, de maneira alguma, a criatividade do artista.
O sr. falou de faixas etárias. A propósito, qual a sua opinião sobre a juventude hoje?

Fui recentemente a um programa de televisão e me perguntaram se eu tinha alguma coisa a dizer aos jovens brasileiros, ao que respondi: “Que deixem de ser infantis”, somente. Nunca a juventude foi tão pouco generosa, tão pouco heroica, tão pouco humana. Espero que um dia a juventude tenha um grande renascer. É necessário. Os jovens da França praticamente tomaram o poder em 1968. Deram as costas a De Gaulle. Mas, uma vez no controle das universidades, eles não fizeram absolutamente nada. Descobriram que não tinham nada a dizer. Era tudo puro exibicionismo. Afinal, o que tem a dizer um jovem de 17 ou 18 anos? Nada. São os velhos que detém a sabedoria e que podem assumir a liderança. De Gaulle era velho. Mao era velho. Chiang era velho.
Suas peças foram sempre polêmicas. Por que escolheu temas relacionados ao sexo e à violência, tão controvertidos?

Nas minhas obras eu tento transmitir algo que vem de dentro de mim. É trabalho duro, um sacrifício. E acho que, para escrever bem, o escritor precisa de algumas obsessões, algumas ideias fixas, que sustentam a sua obra. Sem isso, o trabalho vira um caos. Um dos meus temas preferidos é a violência humana. O ser humano é um assassino natural. O ser humano é feroz. É somente isso, uma verdade e, portanto, uma obsessão.
Qual é a avaliação que faz do teatro brasileiro hoje?
Era muito melhor antigamente. Hoje todo autor virou demagogo.
Quais os seus autores favoritos? Brasileiros e estrangeiros.
Meus autores brasileiros prediletos são Gilberto Freyre, Guimarães Rosa, Jorge Amado, Graciliano Ramos, Machado de Assis e Euclides da Cunha. Gosto muito de Dostoiévski. Gosto dele desde jovem. E gosto de Tolstói. A Rússia tem, ou tinha, uma literatura de boa qualidade. Um país onde um escritor pode ser internado num hospital para doentes mentais porque escreveu algo contra o governo não pode ter uma literatura importante. Os Estados Unidos tem um dos maiores dramaturgos do século 20, Eugene O'Neill. Também tem Faulkner e Hemingway. Da França, eu gosto de Gide, Albert Camus e alguns outros. Não suporto Sartre. Ele traiu a condição de escritor quando virou político. Não me entusiasmo muito com Borges. Hoje em dia, eu estou na fase de ler os clássicos de novo. Um livro bom é sempre novo.
Nota: Entrevista publicada pelo jornal “Latin American Daily Post”, em outubro de 1980. E republicada no jornal “O Estado de São Paulo”, em julho de 2002.