Projeto concebido originalmente para a área de Ideias do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) Brasília, Mitos do Teatro Brasileiro é calcado na memória das artes cênicas nacionais.

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Thelma Reston, uma atriz de todos os tempos


Ícone da obra de Nelson Rodrigues,  ela passou por grupos que renovaram o teatro nacional


Sérgio Maggio

Foto: TV Globo/Divulgação
Na ativa, Thelma Reston tinha acabado de brilhar no teatro e na tevê: vida dedicada à arte 

Thelma Reston estava feliz com os mimos profissionais colhidos em uma vida dedicada ao ofício de atriz de teatro, de cinema e de televisão. A última personagem de novelas, Dona Violante, de Aquele beijo, a enchia de orgulho. A cada capítulo, a velha senhora crescia em cena a ponto do autor Miguel Falabella ter que aumentar mais e mais a sua participação. “Ele está escrevendo mais falas para mim. Adoro. Aliás, aquele núcleo dos gordos é maravilhoso. São atores fantásticos”, comentava. Thelma era assim, extremamente generosa com antigos e novos amigos. Se alguém ligava para ela com um convite de trabalho e por algum motivo ela não podia fazer, rapidamente sugeria alguma substituta à altura. Esse companheirismo era uma das marcas dessa grandiosa atriz goiana, que morreu ontem aos 73 anos, vítima de câncer.
Durante as gravações de Aquele beijo, Thelma chegou a ser afastada. Tinha passado por uma cirurgia no útero, mas se recuperava bem. “Falei com ela faz pouco tempo. Estava ótima, bem-humorada e cheia de energia. No começo de 2013, íamos fazer, aqui no meu apartamento, a leitura do roteiro de Cabaré das Donzelas Inocentes”, conta o cineasta Dannon Lacerda, referindo-se ao primeiro longa-metragem dele, no qual ela teria um papel de destaque.
A morte de Thelma Reston pegou a todos de surpresa. “Minha amiga de tantos anos foi pro andar de cima. Ainda pude homenageá-la em Aquele beijo, na qual ela fez a hilária Dona Violante, a ladra contumaz. Eternas saudades desse seu amigo, que hoje apenas recolhe as lembranças de toda uma vida e chora”, lamentou Miguel Falabella em seu perfil no Facebook.
Neste ano, centenário de Nelson Rodrigues, Thelma Reston era uma das personalidades mais requisitadas para entrevistas e participações em palestras. Ela foi uma atriz que passou por quase todas as estreias da dramaturgia do autor de Vestido de noiva. Ela estava lá, em 1960, em A falecida, numa ousada direção de Rubens Corrêa. “Há uma predestinação que traz Thelma Reston para o meu teatro e meus filmes. Posso dizer que ela percorreu meus textos. Faço também questão de confessar que sou seu admirador há muito tempo. Bem sei que o brasileiro admira pouco. Não tenho este defeito horrendo. Admiro Thelma Reston e cada vez mais. Direi, por fim, que é uma grande atriz”, avaliava Nelson Rodrigues.
Os filmes baseados na obra de Nelson Rodrigues também foram palco para Thelma Reston brilhar. Em Os sete gatinhos, de Neville D’Almeida, ela fez A Gorda. E é dona de uma das cenas antológicas na cinematografia nacional ao se revelar quem era o verdadeiro autor dos “caralhinhos de asas” desenhados na parede da casa. Fez ainda Terra transe, de Glauber Rocha, numa filmografia ímpar com mais de 40 obras.

Revolucionária

Thelma Reston é uma atriz que está na base da renovação do teatro brasileiro. Estreou sob a direção de duas divas, Dulcina de Moraes e Henriette Morineau, com Tia Mame, em 1959. Depois, lançou-se nos palcos como os novos, passando pelos grupos Teatro Ipanema, de Rubens Corrêa e Ivan Albuquerque; Centro Popular de Cultura (CPC), Teatro Jovem, Grupo Opinião e Teatro Oficina. Intuitiva e autodidata, era uma atriz desejada por diretores do porte de Ziembinski, Oduvaldo Viana Filho, o Vianinha, Martim Gonçalves e Flávio Rangel. Entre as dezenas de montagens, estão as históricas O balcão, de Jean Genet, com produção de Ruth Escobar e direção de Victor Garcia; O casamento do pequeno burguês, de Luis Antônio Martinez Corrêa; e A Ópera do Malandro, de Chico Buarque.
Mesmo cobiçada pelo cinema e pela tevê, seguiu firme no teatro, trabalhando, nos anos 1970, na Companhia de Dina Sfat, que a tinha como uma atriz “pé de coelho” e uma amiga de todas as horas, da qual não podia abrir mão. O último trabalho nos palcos foi em A cantora careca (2011), dirigido pela amiga Camila Amado e com outra “irmã” em cena, Maria Gladys. A peça fez temporada de casa cheia no Rio o que deixou Thelma Reston em estado de graça.