Projeto concebido originalmente para a área de Ideias do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) Brasília, Mitos do Teatro Brasileiro é calcado na memória das artes cênicas nacionais.

terça-feira, 1 de janeiro de 2013

Mil vidas: Paulo Gracindo

Sérgio Maggio

Pelópidas virou Paulo porque ninguém acertava chamá-lo como o nome de batismo. A gota d’água foi a 
empregada que o chamou de Envelope.

Um dos grandes personagens de Paulo no teatro foi Herodes em Salomé, de Oscar Wilde com direção de Martim Gonçalves. Havia um burburinho na plateia após as sessões. “Que ator é esse?”, referindo-se a Gracindo. “O seu Herodes era extraordinário! Ele se expunha, não tinha medo do ridículo, se atirava, ia com tudo dentro da cena. Parecia que não tinha nada a perder, nunca”, lembra Paulo José.

Um marco na carreira de Paulo Gracindo foi como Pimentel em A falecida, adaptação de Nelson Rodrigues para o cinema por Leon Hirszman. Para convencer Ziembinski a levar Paulo para O santo inquérito, mesmo com a indicação de Dias Gomes, foi preciso levá-lo para ver o filme. “Um trabalho magnífico de Paulo Gracindo”, resumia Ginaldo de Souza, um dos produtores.

Em A falecida, Paulo Gracindo contracenava com uma das patners preferidas, Fernanda Montenegro. “Na hora da ação, entrava um monstro de um ator altamente preparado, qualificado e com uma bagagem de estudo do seu personagem que não vi em nenhum outro ator com quem eu tenha trabalhado na vida”

Na televisão, se cometer um erro, volta atrás e refaz. O teatro é implacável. Você não pode pedir desculpas e voltar atrás de jeito nenhum”

Um dos grandes sucessos de Paulo Gracindo nos palcos foi Brasileiro, profissão: esperança, musical de Paulo Pontes com direção de Bibi Ferreira. Ele dividiu a cena com Clara Nunes.

O gigante Paulo Gracindo


Um dos maiores atores do rádio, teatro, cinema e televisão, Paulo Gracindo ganha livro que refaz a trajetória de um mito centenário
Sérgio Maggio


O eterno Odorico com as Cajazeiras


A tevê não tinha se instituído como o elo de integração nacional, que consolidaria a indústria cultural no Brasil, mas o intérprete e locutor Paulo Gracindo (1911 - 1995) já fazia parte do cotidiano dos brasileiros. Ali, de ouvidos encostados no rádio, ele arrancava lágrimas como Albertinho Limonta, o mocinho da radionovela O direito de nascer, e gargalhadas no papel de o Primo Rico em Balança mas não cai. Já estava traçado aí o caminho para a construção de um mito de ator, amplificado pelo teatro, cinema e televisão.
No ano 1938, o jovem Pelópidas Guimarães Brandão Gracindo já tinha se transformado no comunicador Paulo Gracindo, estrela da Rádio Nacional, testemunha ocular no nascimento de grandes estrelas da MPB. Até chegar ao status de apresentador e ator, empenhou uma luta pessoal contra a tradição familiar. Queria ser ator de teatro, mas o pai, Demócrito, político influente das Alagoas, tinha decretado que se o filho subisse no palco, ele subiria no palco e o arrancava de lá pela gola. Não havia outro jeito. O rapaz predestinado fugiu pro Recife, com a roupa do corpo e o dinheiro no bolso, e foi saciar a sede de liberdade. Meses depois, soube que o pai tinha ficado doente de tristeza. Voltou e o encontrou de coração manso.
— Infelizmente, meu pai não pôde curtir esse novo pai, que faleceu em 1928, quando o filho tinha apenas 17 anos, conta Gracindo Junior no livro Um século de Paulo Gracindo, o eterno bem-amado.
Escrita em parceria com o pesquisador Mauro Alencar, a obra é um registro importantíssimo para proteger a memória de um dos mais importantes intérpretes do Brasil no século 20. Ele que, quando pisou no palco ainda estava no útero da mãe, Argentina, na cerimônia de inauguração do Teatro Deodoro, construído pelo pai, Demócrito Gracindo, à época que era intendente da capital de Alagoas, é um dos protagonistas da nacionalização da dramaturgia brasileira (seja no teatro, no cinema, e na novela), aproximando-se, nos anos 1950 e 1960, de autores como Dias Gomes. Paulo Gracindo estava no elenco de Santo inquérito (1966), marco do teatro nacional, ao lado de Rubens Corrêa, Eva Wilma e Jayme Barcellos, todos sob a direção de Ziembinski.
— A peça teve uma receptividade fantástica e acabou por colocar Dias Gomes no lugar que sempre lhe coube, de grande autor, ele que, na ocasião, tentava sobreviver escrevendo novelas com pseudônimo, amparado pela mulher, Janete Clair, a maior novelista da Rádio Nacional na época. Suas carreiras, a dele e a de Paulo Gracindo, caminharam juntas a partir de O santo inquérito, conta Gracindo Júnior.
Grandes companhias
Com 80 espetáculos, Paulo Gracindo passou por várias escolas teatrais. Começou com Dulcina de Moraes, passou pelas companhias de Alda Garrido, Procópio Ferreira e Elza Gomes, trabalhou com grandes diretores, a exemplo de Martim Gonçalves e Bibi Ferreira.
— Paulo era um grande ator, um grande profissional, mas fez pouco teatro. Minha mágoa é essa, porque Paulo era daqueles que usa o teatro por felicidade, por amar, por gostar. O teatro era o grande amor da vida, defende Bibi Ferreira.
 Foi, aliás, o primeiro ganha-pão, quando perambulava pelo Rio em busca de uma oportunidade nos palcos.
— Como é que um jovem que vem de Maceió estreia no teatro? Era muito complicado. E ele não tinha passado de pais atores, de tios… Não sabia nada da arte de representar, não tinha nenhuma manto sagrado na representação. Ele era apenas um ator. E bonito, com licença, era um homem muito bonito, e ele sabia! E era tomando um cafezinho que ele dizia: Olha o seu Procópio; olha o seu Jaime Costa. E assim ele foi entrando. Foi conquistando as pessoas socialmente que Paulo Gracindo começou a carreira dele no Rio de Janeiro, lembra Bibi.
De figurante a mito celebrizado em todas as linguagens, Paulo Gracindo foi virando uma unanimidade. A construção de tipos brasileiros, vindo, sobretudo, da matriz dramatúrgica de Dias Gomes, o celebrizou. Ícone das telenovelas, o personagem Odorico Paraguaçu (O bem amado) atravessa os dias. A imagem do prefeito populista, corrupto e enrolador ainda permanece como uma metáfora do político brasileiro, mesmo nessa fase de transição das eleições do Ficha Limpa. O bicheiro Tucão (Bandeira 2), o coronel Ramiro Bastos (Gabriela) e o aristocrata decadente Antenor (Os ossos do barão), numa época que a televisão bebia do teatro e da literatura.

Ator no camarim:


 

“Eu não tenho preocupação. Sou uma pessoa que entro frio, mas entro com a consciência do meu personagem. Não tenho essa preocupação de me preparar, entro e vivo o personagem com toda a naturalidade”

“É por isso que sempre estudei muito, precisava estudar pra suprir essa falta de memória. Tenho que insistir no texto. Horas, horas e horas repetindo”

“Sempre me perguntaram se eu fico nervoso a cada estreia. Todos nós ficamos nervosos, pelo respeito à atuação e pelo respeito ao público. A cada público, eu me sinto como um domador a cada leão diferente. O ator aprende todos os dias, ele morre aprendendo. Sempre que você leva  uma peça ao público, você se sente num púlpito mandando a sua mensagem”

“Nós gostamos de nos exibir, porque o público gosta da gente. Essa ansiedade que tenho, de viver muito, extravaso através dos personagens que faço. É maravilhoso você viver muitas vidas. Tenho pena de quem vive uma vida só”

“Eu sempre espero o público. O público jamais esperou de mim”

“Tenho vontade de fazer teatro de Shakespeare. Já está na hora de encerrar minha carreira e eu não fiz Shakespeare, não tive essa oportunidade. Esse é um desafio que não tive
 


   CINCO BEM-AMADOS: 

1 - O povo de Sucupira ficou diante de um prefeito que era a síntese do político brasileiro nos anos 1970, na novela O bem-amado, de Dias Gomes. Corrupto, enrolador, malandro, carismático e dono de um português próprio, Odorico Paraguaçu até hoje é um ícone da teledramaturgia. 

ODORICO — É incrível que está cidade mui justamente chamada, apelidada e, por não dizer, cognominada “a pérola do norte” (…) ainda não tenha um lugar para enterrar os seus mortos.  

2 - O bicheiro Tucão, de Bandeira 2, de Dias Gomes, trouxe um Paulo Gracindo mais solto, mais brasileiro, diferente dos tipos que estava fazendo sob a batuta da cubana Glória Magadan. O ator dominou a novela de ponta a ponta e, nas ruas, só se falavam em Tucão.


TUCÂO — Misturar bicho com defunto… Até que é bem bolado. E o dono topa? É bem bolado, hein! Negócio é joia. Sabe que tu tá ficando inteligente? Eu acho que é a convivência comigo. 


3  - Um quatrocentão paulista, cheio de tradição, marcou a carreira de Paulo Gracindo, pela interpretação sofisticada como Antenor em Os ossos do barão, de Jorge Andrade. O personagem era ápice do conflito de gerações e se debatia com a mudança dos costumes.

ANTENOR — Eu vou acabar com essa estrangeira toda na minha família!

4 - O coronel, símbolo maior do poder feudal da obra de Jorge Amado, esteve nas mãos de um ator que o enriqueceu de contradições, afastando a possibilidade de torná-lo um vilão estereotipado. O sofrimento dele diante das regras severas que impõem à neta Gerusa é um dos grandes trunfos da novela.



RAMIRO BASTOS — Me perdoe, minha neta. É isso mesmo, é como se diz, a vida não é mais do que isso. É só fazer sofrer os que mais a gente ama. 

 5 - Uma das novelas mais engenhosas dos anos 1970, O casarão, de Lauro César Muniz, deu a Paulo Gracindo um personagem rico de afetos. João Maciel era um boêmio apaixonado pela vida, que amava ternamente, na velhice, Carolina (Yara Cortes) 
 
JOÂO MACIEL — Eu vim a esta cidade à procura de uma verdade. Eu vim em busca de mim mesmo, de uma sensação de felicidade que ficou perdida no tempo. Uma sensação que eu tenho em plena consciência de que existiu e que nunca mais eu pude… curtir.
 
    
 UM SÉCULO DE PAULO GRACINDO

De Gracindo Júnior e Mauro Alencar. Gutenberg Editora. 256 páginas. R$ 57.