Projeto concebido originalmente para a área de Ideias do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) Brasília, Mitos do Teatro Brasileiro é calcado na memória das artes cênicas nacionais.

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Bibi Ferreira, Uma menina abençoada pelo tempo



Num show memorável, Bibi Ferreira desfia a memória de nove décadas como se fosse uma criança diante de um brinquedo
 Foto Studio Prime

 Bibi Ferreira passeia por óperas, sambas, clássicos mundiais e histórias de vida, no Theatro Net Rio
SÉRGIO MAGGIO
 
RIO – Bibi Ferreira tem o dom e a permissão de brincar com o tempo. De pé no palco histórico onde estreou Gota d’água (1975), ela vence, com a altivez de uma sacerdotisa, os 70 minutos do espetáculo Bibi in concert. A mulher de 90 anos se transmuta numa menina de “13 ou 14 anos lá do século 17” para desfiar a memória, que se materializa diante da plateia apinhada do Theatro Net Rio (antigo Tereza Rachel) em carne viva e recheada de lembranças e de esquecimentos.
É essa atriz, humana e mitificada como um fenômeno, que surge diante de olhos encantados, que se arregalam quando o corpo ri e quase desaparecem ao marejar de emoção. “Obrigado, todos nós daqui (do palco) agradecemos muito. Ah, vocês se contentam com pouco. Os americanos fazem isso muito melhor”, brinca, diante de palmas efusivas, gargalhadas dobradas e gritos de “bravo, bravíssimo”.
 Dona de um humor fino e cortante, Bibi Ferreira está à frente de uma orquestra majestosa, comandada pelo maestro Flávio Leite. É um momento especialíssimo em uma gloriosa e única carreira no teatro nacional. “Não me lembro da última vez em que cantei assim, rodeada de músicos como estes”. Com uma delicadeza ímpar, o regente não só constrói arranjos grandiloquentes para a voz potente de Bibi, como é o mestre de cerimônias do espetáculo. É ele que, num diálogo quase íntimo, puxa a ponta do fio da memória para que a mulher de 90 anos estique e brinque como uma garotinha. “E os musicais Bibi? Você foi a primeira a fazer no Brasil”, lembra Flávio. “Ah, os musicais... Fiz Alô, Dolly! O homem de La Mancha, My fair Lady...”, responde Bibi, emendando com uma crônica engraçadíssima sobre o tema, para depois, explodir musicalmente em uma sequência de arrepiar a espinha.
Eclética, passeia por temas do cinema da era de ouro de Hollywood, pelos musicais da Broadway e por inacreditáveis árias de ópera cantadas com letras de samba (La Traviata abrigou perfeitamente os versos de Palpite infeliz, de Noel Rosa). Segue com tangos, samba de breque, bossa nova, samba-canção, transitando por cinco línguas (espanhola, francesa, italiana, inglesa e portuguesa, do Brasil e de Portugal). “O meu primeiro idioma foi o espanhol. Minha mãe era argentina e me levou com apenas 1 ano de idade para morar em Buenos Aires”, revela.
Atriz e cantora indissociáveis, que recria Elizete Cardoso, Amália Rodrigues e Piaf (“esta, aliás, tem me sustentado nos últimos 30 anos”, brinca), Bibi se agiganta a cada sequência do espetáculo. É inalcansável no momento em que encarna Joana, de Gota D´água, obra-prima de Chico Buarque e Paulo Pontes. Puxa do cantinho da memória um dos solilóquios da personagem inspirada na trágica Medeia e ganha uma proporção indescritível no palco. Há um silêncio quase absoluto, quebrado apenas por um ou outro soluço de choro.
Neste momento, lá de atrás no balcão, onde conseguiu duas suadas entradas extras, a poeta e servidora da Câmara dos Deputados Isolda Marinho lacrimeja ao lado do marido, o contador e maratonista Geraldo de Souza. Os dois, que vieram ao Rio para amenizar a saudade do filho Davi, estudante da UFRJ, estão pela primeira vez diante do mito/mulher Bibi. “Chorei o tempo inteiro. Era como se ela cantasse para mim”, confessa Isolda, enquanto o companheiro se adianta para revelar às redes sociais um instante que vai levar pra sempre no cantinho da memória, este magnífico templo que abriga o deus-tempo, o guia e mentor de Bibi Ferreira.     

sexta-feira, 4 de maio de 2012

Boas histórias de Bemvindo Sequeira

Deus Lhe Pague mendigo Foto 62 653x1024 Ainda sobre Bibi Ferreira  e o pudor do ator
Afinal a barba correta, obra do Mestre Vavá Torres


O fato aconteceu também em "Deus Lhe Pague", de Joracy Camargo , celebrando o centenário de Procópio Ferreira.
Durante os ensaios chegaram a barba e o bigode encomendados para minha personagem. O peruqueiro errara a mão e eu fiquei parecendo mais um Abrahão, ou Moysés, de festa religiosa do interior.
Saí do camarim achando a barba horrorosa e atravessei todo o palco e platéia em busca do olhar de aprovação, ou não, de Bibi para a malfadada bola de pelos que me fora entregue.
Todos os colegas riam a bandeiras desfraldadas  ( hoje com Demóstenes Torres ririam a bandeiras defraudadas).
A barba era ridicula e eu, com meu show particular e minha percepção de comediante a tornava ainda mais risível.
Quando cheguei junto de Bibi ouvi dela o seguinte comentário:
- O senhor deveria ter me chamado ao seu camarim antes de se expor desta forma ridícula perante seus colegas! O senhor é o protagonista da peça, não pode se expor desta maneira. Tenha pudor!!!
Mais um esporro e mais uma lição aprendida.
Sempre grato a Bibi Ferreira e suas lições.

Bibi Ferreira e Walter Avancini, a disciplina e o pudor do ator

Deus Lhe pague foto 1 Bibi Ferreira  e Walter Avancini, a disciplina e o pudor do ator
Eu e Adriane Galisteu em "Deus Lhe Pague " - SP 1999
Quando se fala em disciplina na profissão das artes cênicas sempre se associa logo que disciplina é chegar no horário. Muitas vezes eu ouço atores dizendo:
-Eu sou profissional, chego sempre no horário.
Como se o profissionalismo se resumsse a isto. Chegar no horário é o mínimo que se pode esperar de um ator, porque isto é o que se deve esperar de qualquer pessoa que tenha um compromisso agendado. Profissional , ou não.
Quando eu falo de disciplina refiro-me à disciplina interna  do ator, coisa que aprendi cdom dois mestres: Bibi Ferreira e Walter Avancini, uma no Teatro e o  outro na TV.
Com Bibi aprendi umas coisinhas mais: a credibilidade e o pudor que todo ator deve ter.
Para dar um exemplo conto o fato ocorrido entre eu e Bibi, em São Paulo, quando da estréia da peça "Deus Lhe Pague", de Joracy Camargo, onde contracenava com Humberto Martins e Adriane Galisteu.
Fazia frio na época da estréia, e  eu como bom morador do Rio tinha apenas uma blusa de lã. Por sinal cara e de renomada etiqueta. mas quando cheguei ao saguão do Hotel para ir com ela à estréia no Teatro, ela me disse:
-"O senhor não tem um sobretudo? Vai me aparecer com esta blusinha de lã para a platéia paulistana? O senhor é um ator, um protagonista, uma estrela !!! Tem que estar sempre muito bem vestido, o público o observa sempre. Amanhã o senhor saia e compre um sobretudo. tenha pudor !!!"
Não preciso dizer que ensaiar ou trabalhar de bermudas e chinelos, para Bibi, nem pensar !!!
Em próximos posts continuarei o assunto.

A delícia de ser Clarice/Beth




Uma das montagens teatrais mais aclamadas dos últimos tempos volta à cidade onde estreou nacionalmente   

Sérgio Maggio

A relação de Clarice Lispector com Brasília foi intensa, profunda, visceral e devastadora. Os sentimentos assombrados diante da cidade erguida no centro de Goiás foram plasmados em belíssimo jorro de palavras. Os fragmentos que escorrem nesta página mostram o quanto a mulher sensível era instigada por aquela paisagem inexplicável aos seus olhos. O choque entre o ser humano e o monumental provocou reflexões únicas sobre a novíssima capital brasileira.
A relação de Beth Goulart com Brasília se transformou bruscamente desde que estreou nacionalmente aqui o espetáculo Simplesmente eu, Clarice Lispector, em 9 julho de 2009, no palco do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB). Na montagem, a atriz se desnuda completamente para dar vazão à imagem lúdica, poética, feminina e potente daquela que é considerada um dos mitos da literatura nacional. “Me senti abraçada pela cidade e pelo público que respirava junto comigo em cada passagem da personagem, em cada reflexão, em cada silêncio. A cada sessão, podíamos quase que segurar nas mãos a densidade do silêncio, era uma meditação coletiva e muito poderosa. Uma experiência inesquecível para mim”, lembra a intérprete.
Depois que saiu daqui em temporada nacional, com sessão extra e uma fila enorme de órfãos que não viram ou queriam repetir a experiência de ficar diante daquela montagem, Beth Goulart viu se concretizar o sucesso esboçado já na estreia, quando a peça nascia sem a urgência dos ajustes. Hoje (05/05), Simplesmente eu, Clarice Lispector reencontra a plateia original numa função dupla, às 21h, e às 23h (a primeira está lotada), no Teatro Oi Brasília. “Com o tempo, o espetáculo ficou mais orgânico e a sua fluidez seguiu com delicadeza as emoções das personagens. A intimidade com Clarice é mais real. É como um vinho que o tempo aprimora.”
Um das atrizes mais representativas de sua geração, Beth Goulart viu o espectador se aproximar mais intimamente do trabalho de Clarice. E foram gloriosos 200 mil até agora em 22 cidades do Brasil. Alguns revelaram que buscaram a literatura imediatamente após sair do teatro. Beth se emocionou ao ouvir tais declarações. “Muitos nunca tinham lido nada dela porque não compreendiam, ou simplesmente pela estranheza de sua literatura. O espetáculo de certa forma criou uma ponte entre a escritora e a mulher. Ela foi entendida por meio da sensibilidade e do reconhecimento, que ela sempre buscou.”
É impressionante ver Beth Goulart em cena como uma Clarice Lispector tão delicadamente exposta. A verossimilhança com a personagem, que chamou bastante a atenção dos espectadores, não assustou a atriz. Na verdade, ela, que escreveu e dirigiu a montagem, seguiu a orientação do mestre Amir Haddad (supervisor do projeto) de parecer por dentro e não por fora de Clarice. “Revelar não a solidão de Clarice mas a minha, não a sua angústia, mas a minha. Nesse sentido, eu me revelei no espetáculo tanto quanto ela.”

SIMPLESMENTE EU, CLARICE LISPECTOR
Direção, texto e atuação de Beth Goulart. Supervisão: Amir Haddad. Hoje 05/05, às 21h (esgotado), e, às 23h, no Teatro Oi Brasília. Ingressos: R$ 60 e R$ 30 (meia). Não recomendado para menores de 12 anos.  

quinta-feira, 3 de maio de 2012

A dama do teatro






Mariana Moreira

Beatriz Segall não é dada a verborragias. Não é de seu estilo vangloriar-se dos feitos de sua carreira, que já atravessa seis décadas. No palco é que todo o seu diapasão cênico aflora. Desde que pisou no tablado pela primeira vez, em 1950, em uma montagem de O belo indiferente, de Jean Cocteau, ela já criou as mais variadas nuances para suas personagens, a ponto de considerar todos os sonhos artísticos realizados. “Já fiz tudo o que quis”, admite. Ainda assim, guarda fôlego para novas aventuras. Divide a cena, pela primeira vez, com o ator Herson Capri, na peça Conversando com mamãe, que demarca outra estreia: a de Susana Garcia, mulher de Capri, na direção. A peça faz rápida passagem por Brasília, hoje (03/05) e amanhã (04/05), às 21h, na Sala Villa-Lobos do Teatro Nacional.
“Beatriz é uma grande dama dentro e fora de cena. Além de atriz excepcional, é uma pessoa especial, inteligente, culta e tem um caráter excepcional. Fomos nos conhecendo aos poucos e logo passei a considerá-la uma grande amiga”, elogia Capri, seu parceiro de cena. Foi ele o grande chamariz para que Beatriz aceitasse o convite, processo que acabou surpreendendo a veterana. “Susana sabe muito bem o que está pedindo ao dirigir os atores, o que é coisa rara”, afirma a atriz.
A perspectiva atual é a de uma vitoriosa, mas não foi fácil para a menina bem educada, filha de professores, versada em línguas, se integrar ao olimpo teatral, pois já a rondava o rótulo de burguesa. “Quando fui para São Paulo, as pessoas da classe artística achavam que eu estava ocupando o lugar dos outros”, conta. Mas ela foi em frente e traçou para si uma biografia de peso: já esteve ao lado de grandes nomes do teatro brasileiro, como Jardel Filho, Henriette Morineau, Gianfrancesco Guarnieri, Gianni Ratto, entre outros. Ao lado do marido, Maurício Segall, recuperou o Theatro São Pedro, em São Paulo, associou-se a grupos contemporâneos, como o Tapa, e ganhou fama na televisão.
Audiência

O capítulo Odete Roitman, por sinal, a persegue aonde quer que vá. Para muitos brasileiros, nunca houve, ou haverá uma vilã como ela. A reprise da novela Vale tudo, em TV fechada, chegou a liderar a audiência em seu horário de exibição, 1h da manhã. Mas a atriz não acompanhou a saga televisiva e acredita que voltar às telas não a torna mais conhecida do público jovem. “Acho que não interferiu em nada. A novela passava muito tarde”, desconversa.
Os anos de dedicação, no entanto, não garantem a viabilidade de seus projetos. “Nem sempre encontramos bons teatros e técnicos nas viagens. Patrocínio também é coisa difícil, porque teatro não dá dinheiro e se ninguém vai ficar rico, é difícil conseguir”, protesta. Dificuldades de coxia à parte, quando Beatriz surge no palco, sua mística parece intacta. Sobre a atriz, o diretor Marcelo Reinecke já escreveu: quando ela entra em cena, os deuses do teatro sorriem.



60 anos
Tempo de carreira
da atriz