Projeto concebido originalmente para a área de Ideias do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) Brasília, Mitos do Teatro Brasileiro é calcado na memória das artes cênicas nacionais.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Lélia Abramo brilhou como Romana em Eles não usam black-tie


Trecho de Eles Não usam black-tie
Autor: Gianfrancesco Guarnieri

Tião – Papai...

Otávio – Me desculpe, mas seu pai ainda não chegou. Ele deixou um recado comigo, mandou dizer pra você que ficou muito admirado, que se enganou. E pediu pra você tomá outro rumo, porque essa não é casa de fura-greve!

Tião – Eu vinha me despedir e dizer só uma coisa: não foi por covardia!

Otávio – Seu pai me falou sobre isso. Ele também procura acreditá que num foi por covardia. Ele acha que você até que teve peito. Furou a greve e disse pra todo mundo, não fez segredo. Não fez como o Jesuíno que furou a greve sabendo que tava errado. Ele acha, o seu pai, que você é ainda mais filho da mãe! Que você é um traidô dos seus companheiro e da sua classe, mas um traidô que pensa que tá certo! Não um traidô por covardia, um traidô por convicção!

Tião – Eu queria que o senhor desse um recado a meu pai...

Otávio – Vá dizendo.

Tião – Que o filho dele não é um "filho da mãe". Que o filho dele gosta da sua gente, mas que o filho dele tinha um problema e quis resolvê esse problema de maneira mais segura. Que o filho é um homem que quer bem!

Otávio – Seu pai vai ficá irritado com esse recado, mas eu digo. Seu pai tem outro recado pra você. Seu pai acha que a culpe de pensá desse jeito não é sua só. Seu pai acha que tem culpa.

Tião – Diga a meu pai que ele não tem culpa nenhuma.

Otávio – Se eu tivesse te educado mais firme, se te tivesse mostrado melhor o que é a vida, tu não pensaria em não ter confiança na tua gente...

Tião – Meu pai não tem culpa. Ele fez o que devia. O problema é que não podia arriscá nada. Preferi tê o desprezo do meu pessoal pra poder querer bem, como eu quero querer, a tá arriscado a vê minha mulhé sofrê como minha mãe sofre, como todo mundo nesse morro sofre!

Otávio – Teu pai acha que tem culpa!

Tião – Tem culpa de nada, pai!

(...)

Romana (entrando) – Te mandou embora mesmo, não é?

Tião – Mandou!

Romana – Eu digo que vocês tudo estão com a cabeça virada!

Tião – Não foi por covardia e não me arrependo!

RomanaEu sei. Tu é teimoso... e é um bom rapaz.

(...)

Tião – Não posso ficá, Maria... Não posso fica! ...

Maria (Pará de chorar. Enxuga as lágrimas) – Então, vai embora... eu fico. Eu fico com Otavinho... Crescendo aqui, ele vai tê medo... e quando tu acreditá na gente... por favor, volta! (sai)

Tião – Maria, espera! (correndo, segue Maria. Pausa.)

Otávio (entrando) – Já acabou?

RomanaVai falar com ele, Otávio... vai!

Otávio – Enxergando melhó a vida, ele volta. (retorna ao quarto. Entram Chiquinho e Teresinha)

Chiquinho – Sabe, mãe, aquele samba...

Teresinha – O samba do "Nós não usa black-tie".

Chiquinho – Tá tocando no rádio...

RomanaO quê?

Teresinha – O samba do Juvêncio, aquele mulato das bandas do Cruzeiro!

Chiquinho – Ele tá chateado à beça. O samba tá com o nome de outro cara. (sai correndo)

Teresinha – Eu fiquei com pena do Juvêncio. Ta perto da bica, chorando! Chiquinho!(sai)

Romana, sozinha. Chora mansamente. Depois de alguns instantes, vai até a mesa e começa a separar o feijão. Funga e enxuga os olhos...

Nenhum comentário:

Postar um comentário