Projeto concebido originalmente para a área de Ideias do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) Brasília, Mitos do Teatro Brasileiro é calcado na memória das artes cênicas nacionais.

segunda-feira, 26 de março de 2012

Artista sem rótulos

O dramaturgo Sérgio Maggio com Chico no palco do CCBB

Consagrado pela tevê, Chico Anysio se tornou uma referência em diversas linguagens. No teatro, foi pioneiro nos shows de humor

SÉRGIO MAGGIO

No especial de Chico Anysio que foi ao ar em 2 de janeiro de 2011, o olhar debilitado do homem atravessa a máscara das dezenas de personagens que surgiam diante da tevê. A voz, uma das ferramentas mais potentes desse ator genial, revelava o declínio físico. Mesmo assim, como um herói diante de sua saga, o intérprete atravessou, com dignidade, o último programa no veículo que o consagrou como um mito. Dos impagáveis tipos, há pelo menos um que cabe no gosto de cada brasileiro. Assim como é difícil eleger um entre tantos amores, é raro encontrar alguém que não enxergue em Chico uma unanimidade.
— Normalmente, os personagens saem de pessoas que conheço, avisava o humorista.
A identificação era tanta que as reivindicações, por vezes, vinham em coletividade. Era o caso do malemolente Painho, o guru das estrelas.
— Todos os pais de santo da Bahia acham que eles me deram inspiração para criá-lo, brincava Chico.
O pai dos 209 tipos guardava com gosto o amor pelo Professor Raimundo. Por vários motivos: a) Foi o personagem que veio da era do rádio, revelando uma geração de humoristas de primeira linha. O genial Mussum começou por lá, Tom Cavalcante também; b) A versão televisiva dos anos 1990 permitiu que Chico Anysio trouxesse de volta ao batente gente da estirpe de Grande Othelo, Rogério Cardoso, Nádia Maria, Brandão Filho, Costinha e Walter D’Ávila; c) O personagem era uma “escada” para os atores-alunos brilharem; d) O Professor Raimundo era uma crítica social ao sistema educacional brasileiro e uma defesa explícita à valorização do profissional mais importante de uma nação.
— Ele é o mais respeitado de todos os 209 personagens que criei, afirmava.
“E o salário, ó” correu o Brasil como tantas outras centenas de bordões. Por três décadas (1970 a 1990), Chico Anysio foi líder absoluto de audiência. Gerações inteiras cresceram sob a gozação de criaturas incontroláveis como o mulherengo Nazareno, o contador de causos Pantaleão, o ranzinza Popó, o “ex-gay” Haroldo e o deputado corrupto Justo Veríssimo.
Consagrado na tevê, Chico Anysio nunca coube num rótulo. Muitos analistas de sua obra diziam que se ele tivesse nascido nos Estados Unidos ou na Europa, seria tratado como um sumidade. Chico ria dessa bobagem. Sempre buscou a humildade como amparo para a gangorra de altos e baixos de um artista brasileiro. Fez história singular no teatro. Foi, ao lado de José Vasconcellos e Dercy Gonçalves, pioneiro dos shows de humor, hoje a febre conhecida como stand-up comedy. Até a passagem por Brasília em outubro, o filho André Lucas tinha contabilizado 11.358 apresentações em teatros de Norte a Sul do país, além de passagens pelo exterior. Alguns intérpretes consagrados, como Marília Pêra, admitem ter feito escola de humor vendo Chico Anysio atuar de cara limpa e gestos econômicos no palco.
— O teatro permite que eu seja eu mesmo todo dia porque a plateia muda. A televisão é o contrário. Permite que eu mude porque a plateia é a mesma todo dia, analisava.
Apaixonado por casamentos (“quando estou com alguém, sou extremamente fiel”), por futebol (adorava ser comentarista — foi flamenguista e depois vascaíno), por música (ele compôs alguns clássicos como Rio antigo), por escrita (foi um cronista e romancista elogiado), por marinas (tema que o consagrou como pintor) e por filhos (teve oito, com orgulho), Chico Anysio amava estar vivo. Trabalhar, para ele, estava no campo dos prazeres. Por isso dizia fazer tudo com tanto gosto e perfeição.
— Levo muito a sério o meu trabalho e é por isso que estou há tanto tempo aí. Faço meus textos pensando nas classes B, C, D e E. Se a classe E entende, todos entendem. Não faço para a classe A porque eles sempre estão em Angra dos Reis (RJ) nem pra B, porque eles sempre estão no Antiquarius (restaurante carioca).
Era tão crítico de si, que um dia pensou em ser deputado. Mas desistiu em bom tempo. Ria dessa maluquice. Um dia ouviu a pergunta:
— E se o senhor fosse eleito hoje presidente da República, qual seria sua primeira decisão?
Sem pestanejar, tirou da garganta:
— Renunciar. (risos)


PONTO A PONTO

Pílulas de humor *


Mulheres
Todas eram no tempo em que eram. Vou lhe dizer: eu fui dispensado muito mais vezes do que dispensei. Noventa e cinco por cento me dispensaram, cinco por cento, dispensei. Faço muitos shows, sempre fiz, e elas achavam ruim eu ter de sair para fazer os shows… Não se ama igual duas vezes, quanto mais nove vezes (risos).

Filhos
Os meus filhos são apaixonados por mim, não pelas mães. Isso porque, quando chegava das viagens, eu ficava da idade deles. Nunca bati num filho ou numa filha. Acho que nem castiguei, tipo: fica sem cinema domingo. Parto do princípio de que se uma criança erra não é por querer, é por não saber.

Maranguape
Tenho saudade do tempo em que era menino em Maranguape (CE), tinha 8 anos de idade e fazia o que queria, pois, na época, eu era filho de rico (o pai era dono de uma frota de ônibus e quebrou).

Humorísticos
Se permite, vou perder um pouco da modéstia. Se meu programa sair do ar, quem perde é o público e não eu. A juventude não vê a televisão, vê programas. Quem faz humor atualmente na tevê é A praça é nossa e Zorra total, ninguém mais.

Os Melhores do Mundo
Sou suspeito (risos), sou padrinho deles. Gosto deles todos. Eles viveram dois momentos na vida. Um ruim, quando os teatros eram vazios, e depois o momento do grande sucesso, quando estourou o quadro Joseph Klimber. Aí eles passaram a ser uma coqueluche nacional.

Humor
Há dois tipos de humor: o engraçado e o sem graça. Quando o humorismo não é entendido, as pessoas o colocam na gaveta dos sem graça. Foi o que aconteceu com o pessoal dos Melhores do Mundo no início, mas quando a plateia começou a entender, virou um grande sucesso.

Vira-casaca
Em primeiro lugar, não é proibido mudar de time (Chico foi torcedor do Palmeiras, do América, do Flamengo e agora é vascaíno). Em segundo lugar, se um cara muda de fé, ele não é um vira-cruz; se ele troca de mulher, não é vira-colchão; se ele muda de rua, não é vira-placa; se ele muda de partido, não é vira-voto. Por que mudar de time é vira-casaca?

Rio antigo
Era maravilhoso. A gente saía do cinema, à meia-noite, e ia para a casa de Álvaro Moreira (poeta e escritor) em Copacabana. Carlos Lacerda morava na casa dele. A gente ficava até as três, quatro horas da manhã conversando, tomando uísque, comendo tapioca, canjica… Sandro Moreira, João Saldanha, Vinicius de Moraes, Tom Jobim, Ronaldo Bôscoli… muita gente aparecia por lá. A porta da casa estava sempre aberta, naquele tempo não tinha assalto.

Bossa nova
O problema da bossa nova é que o Brasil é um país apressado demais. A França até hoje procura sua identidade musical; a Alemanha até hoje procura a sua música, e não achou; Portugal achou o fado, os americano acharam o jazz, e o Brasil achou vários (samba, baião, bossa nova, etc.). No Japão, a bossa nova foi adotada por eles. Aqui, ninguém quer mais ouvi-la.

Compositor
Compus umas 400. Tenho gravações cantadas por Maysa, Silvio Caldas, Orlando Silva, Alcione…

* Entrevista concedida ao Correio Braziliense em 20 de outubro de 2010 a Irlam Rocha Lima, José Carlos Vieira e Sérgio Maggio.

Outros tantos num só

Chico Anysio com o ator Jones de Abreu no palco do CCBB


Conhecido sobretudo pelo humor, Chico Anysio se destacou como compositor, roteirista, escritor e exímio pintor de marinas


SÉRGIO MAGGIO


Chico Anysio viveu a década de ouro do rádio, da descoberta da música brasileira, de um Rio de Janeiro cheio de cabrochas, malandros, cassinos, vedetes, prostitutas polacas e tantas personagens de carne e osso. Ali, o homem de alma de artista captava tudo e criava sem parar. Muito antes de se tornar um astro da televisão, escreveu roteiros para o cinema, deu vida a personagens no rádio, narrou as maravilhas do futebol e compôs canções. Mais de 400 (gravadas por Maysa, Silvio Caldas, Orlando Silva, Alcione). Uma delas, Rio antigo, é uma obra-prima, composta ao lado de Nonato Buzar.
“Quero um bate-papo na esquina/ Eu quero o Rio antigo/ Com crianças na calçada/ Brincando sem perigo/ Sem metrô e sem frescão/ O ontem no amanhã/ Eu que pego o bonde 12 de Ipanema/ Pra ver o Oscarito e o Grande Otelo no cinema Domingo no Rian/ Me deixa eu querer mais, mais paz.”
Chico, que tomava cerveja na Lapa com Madame Satã, filmava com Dercy Gonçalves, costumava atravessar a madrugada bebendo e conhecendo gente. Adorava ver o dia amanhecer e ali foi fortemente influenciado pelo contato físico e musical de Vinicius de Moraes, Tom Jobim e Ronaldo Bôscoli. Nesse Rio poético, viu nascer a bossa nova, tomando uísque e se apaixonando pela vida numa cidade que parecia abençoada pelos deuses — sem assaltos e com o calçadão de Copacabana todo seu.
Não à toa, Chico criava sempre apaixonado. Do mar, herdou o amor pelas marinas. A arte de pintar ocupava o tempo que ele, como um mestre, fazia esticar. Bem avaliados pelo mercado, os quadros se destacavam pela força das cores e das paisagens. O exercício era tido como paralelo ao trabalho de composição como ator e intérprete. Para ele, o humor era é um tapa, quase uma violência.
— A pintura é uma parte poética, lúdica, um carinho, uma carícia, disse o artista numa exposição individual em 2008.
Dono de um apurado olhar cotidiano, Chico Anysio também percorreu o caminho da escrita em romances, crônicas e contos. Dono de humor próprio e narrativas fluídas, ele escrevia o que via e tocava o coração. No livro, O fim do mundo é ali, por exemplo, fez crítica social forte aos pequenos delitos do dia a dia. Essa marca caracterizou o humorista, fortemente censurado na época da ditadura militar, por fazer de Chico city, nos anos 1970, um microcosmo do Brasil rasgado ao meio pela corrupção.
A qualidade desse riso fez dos contos de Chico Anysio um instigante mapa de humor. No conto Chico festeiro, por exemplo, um sujeito esperto, apropriando-se da capacidade de organizar os festejos da cidade de São Roque, acerta, em contrato com a prefeitura da cidade, que, a cada citação feita no discurso ao nome do santo padroeiro, ele ganhará um dindim a mais. Uma parte do longo palavrório diz: “Vejam que até os sapos da lagoa cantam hosanas ao poderoso São Roque, naquele seu cantar característico: roque, roque, roque, roque…”
Multifacetado, o artista genial terminou a vida como um ator cobiçado pelo cinema e pelas telenovelas. Tudo que criou na seara do humor servia como base para interpretações magistrais como em Tieta, de Cacá Diegues. No set, numa das cenas mais difíceis, Chico Anysio, dono do personagem Zé Esteves, pai da protagonista, tinha que filmar um complicada morte, numa externa em que caia e a câmera tinha ainda que pegar um close de um animal. A tomada foi feita de primeira e o ator foi aplaudido em cena aberta. Esse era Chico Anysio, o artista que quase tocou a perfeição.

Queridos companheiros

os atores Elisete Teixeira, Wilson Granja e Jones de Abreu (Alberto Roberto)

No universo fantásticos de 209 tipos, Correio destaca 10 que perpetuam a grande obra criativa de Chico Anysio


SÉRGIO MAGGIO

Quando criador e criatura se encontrava, Chico Anysio viva a dor e a delícia de doar o seu corpo a outra personalidade. Tantas, mais duas centenas de vozes, gestos, bordões e trejeitos possuíam o homem em transe criativo. Todos eram importantes e compostos em detalhes, mas, alguns caíram na graça do ator de um jeito que os olhos brilhavam e o sorriso abria quando ele se referia a esses seres fantásticos. Deixamos de fora amado-mestre Professor Raimundo, a paixão maior de Chico e, portanto, que pairam sobre todos. Assim, numa missão quase impossível, o Correio destaca 10 dos 209 tipos que seguirão por muito tempo na memória do brasileiro.


CLEOFAS
O personagem é inspirado no livro de Chico Anysio O telefone amarelo. Chico faz uma forte crítica ao poder, ao status, já que o tipo é atemporal e viveu com mitos como Maria Antonieta e Judas Iscariotes. Aqui, foi desenhado pelo ilustrador Kácio, do Correio, para o livro É mentira, Chico? (DM — Di Momento), organizado por Ziraldo, do qual foram extraídos trechos dos esquetes.



ALBERTO ROBERTO

O galã era uma sofisticada apreensão do astro televisivo e canastrão que povoa o imaginário das fãs. Vaidoso ao extremo e pouco afeita ao entendimento do ofício de ator, Alberto Roberto dobrava a língua para pronunciar “eres” e trocava letras e significados das palavras. Adora levar tudo para o plural: “Calmem!, sou um ator”. Na tevê, contracenou com grandes nomes do teatro brasileiro, sempre colocando o convidado em situação constrangedora diante do seu estrelismo e da total falta de senso.

Bordão: "Eu sou um símbalo sescual"


Trecho de esquete:

ALBERTO ROBERTO — Hoje você vão aprenderem como se representa um bêbado. Vamos então à parte técnica. Atenção: esbugalhar bem os olhos… Assim (mostra), como se tivesse vendo a Luísa Erundina em traje de banho, duas peças…

APRENDIZ (imita) — Assim

ALBERTO ROBERTO — Não, não. Assim é como se você estivesse vendo mim em traje de banho. Eu quero a Erundina.


PAINHO

O pai de santo mais famoso da Bahia deitou e rolou nas telas brasileiras, recebendo grandes personalidades brasileiras para jogar búzios e falar do futuro. No seu abaitolá, rodeado de iaós, vivia como um rei de baianidade única, estirado em grandes tronos ou em redes. A relação com a menina Cunhã era um dos pontos altos do quadro. Para ela, muitas vezes depois de abusar de certos favores, ele dizia: "Eu sou doooido por essa neguinha." Painho trazia o carinho e o respeito de Chico Anysio pelas comunidades afros-brasileiras.


Bordão: “Afffe! Eu tô morta!”


Trecho de esquete:

Toque de telefone

SOCORRO — Alô! È do abaitolá de Painho… Sim? Sei… sei.. sei… Eu vou perguntar a ele… Painho, é o seu Daniel Filho pedindo a Painho entregar, ainda hoje, dois capítulos, senão não vai dar pra Painho entrar no ar!

PAINHO — Diz pra ele ligar mais tarde. Deixa o meu datilógrafo chegar.

GAROTÂO — Já to aqui, Painho. Deixa comigo que eu dou 130 toques por minuto…

PAINHO — Afeee… Que garoto tocador. Tô todo arrepiado…


AZAMBUJA

O universo futebolístico entra com toda força na composição de Paulo Maurício Azambuja, arquétipo do malandro carioca e jogador que não deu tão certo. Adora um mulherio, uma cachaça e um samba. O corpo de atleta ficou no passando. O seu melhor passe, é aplicar golpes. Chico contracenou com o grande Wilson Grey (ícone do cinema brasileiro), no papel de Linguiça.


Bordões: “Tô contigo e não abro!”, “Arrebenta a boca do balão!” e “Tá danado, tá danado…!”


AZAMBUJA — Salsicha vai perder uma bela comissão, quem mandou faltar?

ANÃO — Se eu servir… Qual é o serviço?

AZAMBUJA — É pra vender este bilhete

ANÃO — Oh, meu chapa, esse bilhete é frio.

AZAMBUJA — E achas que se fosse quente eu ia vender?


JUSTO VERÍSSIMO


Chico Anysio sempre quis fazer crítica social, jamais humor política. A própria cidade de Chico City nasceu com a pretensão de ser um microcosmo do Brasil, suas mazelas e alegrias. Justo Veríssimo é o desenho do mau político brasileiro, aquele que pensa primeiro em si, depois em si e jamais no povo. Atualíssimo, o personagem é o retrato de um político retrógado que sobrevive ao país que caminha economicamente bem para ser uma superpotência mundial.

Bordão: “Tenho horror a pobre!", “Quero que pobre se exploda!”

TRECHO DE ESQUETE

MOÇA — Deputado, por que o senhor não quis que eu comesse um daqueles bolinhos?

JUSTO — Porque o recheio deles é dinamite de repuxo.

Entra a imagem de um prédio sendo implodido

JUSTO — Meus bolinhos maravilhosos cumpriram com seus deveres.

MOÇA (ESPANTADA) — Deputado?

JUSTO — Eu quero que o pobre se exploda!


HAROLDO

O Brasil nem discutia a homofobia quando Chico Anysio criou Haroldo, o Hetero, que deixou de ser gay para viver a plenitude como homem másculo. O quadro brincava com questões como “entrar e sair do armário”, “cura gay” e “perseguições aos homossexuais. Em seu auge, Chico contracenou com Paulette, humorista e bailarino maravilhoso, que surgiu no grupo Dzis Croquetes. Ele dizia: “Luana, solta essa franga e volta para o seu reduto!”

Bordão: “Agora sou hétero. Mordo você todinha!”


Trecho de esquete

LEON (CHEGANDO) — ih, bicha, pirou? Você nas Forças Armadas?

HAROLDO — Não entendi a ironia. Lugar de macho é no exército. Aqueles cotrunos…

LEON — Sei Luana Batalhão. Você tá só pensando em ver os recrutas suados, molhados, marchando, tomando banho…

HAROLDO — Il, sai pra lá! Xô, urucubaca! Eu nasci pra servir! É tradição. Meu avô foi um grande general. Foi vovô que “introduziu” a baioneta nas Forças Armadas!


PANTALEÂO

O maior contador de causos era uma deliciosa sátira a verve do brasileiro de criar ficção sobre o real. Aposentado, vivia a se balançar numa cadeira, de pijamas e sandálias a exagerar nas histórias, sempre comprovadas pelos álibis: a esposa Terta e Pedro Bó. Teve como inspiração o visual Dom Pedro II ea voz de Luiz Gonzaga.

Bordões: “É mentira, Terta?”… “Pois bom, numa ocasião em 1927…”

Trecho de esquete:

TERTA — Conta a história do poste de Jaboatão…

PANTALEÃO — Pois bom. Sucedeu-se em um novecento e vinte e sete.. Eu tava em casa lavando o rosto..

PEDRO BÓ — Com água?

PANTALEÃO — Não Pedro Bó. Com mijo. Pedro Bó tenha paciência…


BOZÓ

O funcionário da Globo usa e abusa do crachá que exibe no peito para exercer poder sobre as pessoas, a maioria que deseja ardentemente a fama. Ele mesmo, gago e detunço, foge completamente ao padrão de beleza. É uma forte crítica ao fascínio da indústria da celebridades em tempos onde não se falava sobre isso. Chico Anysio denuncia o jogo de favores, os testes de sofás, os assédios e as loucuras para se tornar uma estrela.

Bordão: “Eu-eu trabalho na Globo, tá legal!”

Trecho de esquete:

GUARDA (DE OLHO NA BABÁ) — Ah, que nenezinho lindo. Adoro crianças.

BOZó (CHEGANDO) — Então toma conta da criança, enquanto eu, que gosto mais de mulata, tomo conta da babá.

GUARDA — Que folga é essa com a moça? Você não está me vendo aqui não?

BOZÓ — Tô, mas eu prefiro a babá… Eu trabalho na Globo e lás nos pesquisamos os atributos, e sempre optamos pelos mais bem dotados.


SILVA

O personagem genial vem de Souza (Paraíba) e tem uma miopia fortíssima. É um homem simples, fora de qualquer atributo físico, mas simplesmente enlouquece as mulheres, capazes de fazer de tudo para experimentar e propagar o borogodó que esse nordestino tem.


Bordão: “Safadim, safadim… bunitim!”


Trecho de esquete:

MULHER — I love Silva

HOMEM – Taí, dessa piada eu gostei. Se alguém me contasse eu não acreditaria.

SILVA — Pode acreditar, macho. Ela agora é minha, da cabeça aos pés, com uma parada diária no meio do caminho.

MULHER — E ninguém mistura uma tinta melhor do que Silva. Gostosim.

SILVA — Safadim e bunitim


POPÓ

Chico Anysio faz uma crônica da velhice com o homem razinza, ranheta e insuportável. Conviveu com gente do porte de Carlota Joaquina, Caramuru, Carlos Gomes, Oswaldo Cruz e Santos Dumont. A todos, diz que completou 364 anos, mas na identidade registra 91, já que faz aniversário de quatro em quatro anos. Atormenta o amigo Albamerindo, tratando-o como idiota.

Bordão: "Albamerindo, você é idiota! Você é iiidiota!"


Trecho de esquete

POPÓ (Procurando Objetos) — Quer dizer que está tudo em seus devidos lugares Alpamerindo?

ALBAMERINDO — Tudo, tudo, tudo em seus devidos lugares

POPÓ (CHORA) — Buááááááááá

ALBAMERINDO — Mas Popó, está tudo em seus lugares, tudo certinho, você está chorando por quê?

POPÓ — Porque eu não tenho do que reclamar, idiota. Buááááááááá

Chico Anysio no Mitos do Teatro Brasileiro


Última apresentação teatral de Chico Anysio foi realizada em Brasília

Publicação: 23/03/2012 15:25 Atualização: 23/03/2012 15:47 // Correio Braziliense

A última apresentação do artista em um teatro foi em 20 de outubro de 2010, quando ele veio a Brasília para ser homenageado pelo projeto Mitos do Teatro Brasileiro, no Centro Cultural Banco do Brasil, que já tinha honrado nomes de peso como Dulcina de Moares, Dercy Gonçalves, Procópio Ferreira, Nelson Rodrigues e Cacilda Becker. Chico encantou a plateia brasiliense com depoimentos sobre sua trajetória pessoal e profissional. Durante o encontro, foram encenados esquetes vividos pelos artistas Jones de Abreu, Elisete Teixeira e Wilson Granja.

O auditório, com sua lotação máxima de 327 pessoas, ecoava as palmas e gargalhadas do público que teve a honra de presenciar aquela que seria a última reverência ao genial e grande artista. Os atores viveram personagens de Chico como Alberto Roberto, Pantaleão e Haroldo, o Hetero. Chico riu e aprovou a composição do ator Jones de Abreu. Ao fim do espetáculo, agradeceu emocionado a homenagem, e fez um esquete ao lado do filho e empresário André Lucas, em que disse: "Certa vez, eu disse ao Romário que ele estava enganado. Quando eu nasci, Deus disse foi pra mim: esse é o cara."

Quando chegou em Brasília, Chico Anysio tinha acabado de sair de uma delicada internação hospitalar, na qual retirou parte do intestino grosso. Estava animado, saiu para jantar com a equipe do projeto e daqui tinha um compromisso posterior em Salvador onde faria uma apresentação numa churrascaria. Em dezembro de 2010, interrompeu os planos com uma nova internação.

Chico Anysio no Mitos do Teatro Brasileiro

Brasília recebeu última apresentação teatral de Chico Anysio Mesmo debilitado, humorista se apresentou no CCBB,...

A despedida de Chico

26/03/2012 10h28 - Atualizado em 26/03/2012 10h28

Brasília recebeu última apresentação teatral de Chico Anysio

Mesmo debilitado, humorista se apresentou no CCBB, em outubro de 2010.
Em homenagem, esquetes de seus personagens foram feitas por atores locais.

Do G1 DF, com informações do BDDF

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A última apresentação de Chico Anysio em um palco ocorreu em Brasília, em outubro de 2010, no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB). Mesmo debilitado por causa de uma cirurgia para retirada de parte do intestino, o humorista aceitou se apresentar na capital federal e ser homenageado no projeto “Mitos do teatro brasileiro”.

O dramaturgo Sérgio Maggio e o ator Jones de Abreu, idealizadores do projeto, contam que a família de Chico apoiou a participação dele e a produção se preparou para recebê-lo.

“Ele veio com uma equipe, com enfermeiros, de cadeira de rodas, porque ele não estava podendo fazer muito esforço”, contou Maggio.

“Vê-lo ali tão frágil foi muito impactante, mas, ao mesmo tempo, foi impactante vê-lo tomado de uma energia, porque acho que o teatro possibilita isso ao ator”, comentou Jones de Abreu.

Sentado no palco, Chico Anysio conversou com a plateia e contou suas muitas histórias. Na homenagem, também se divertiu com esquetes de seus personagens feitas por atores de Brasília.

“Ele riu muito de uma passagem em que Alberto Roberto diz que Chico Anysio era um ator superado. Ele adorou isso”, recorda Sérgio Maggio.

No final da homenagem, Chico surpreendeu a todos ao chamar o filho André Lucca, que o acompanhava, e ao dar um presente para a plateia do CCBB: de improviso, fez uma esquete do espetáculo “Tal pai, tal filho”, que representou tantas vezes Brasil a fora.

“Ele fez um pequeno show aqui, que foi assim, um êxtase. Então, eu vi ali plateia e o artista em uma comunhão, um corpo só, e realmente ele saiu daqui bastante acarinhado”, definiu Sérgio Maggio.

domingo, 25 de março de 2012

Mil Chicos


SÉRGIO MAGGIO

As cortinas vermelhas do Teatro I do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) ainda estavam cerradas quando Chico Anysio foi trazido pela produção do projeto Mitos do teatro brasileiro para o palco. Ele estava numa cadeiras de rodas e seria acomodado cuidadosamente na poltrona, sem que o público percebesse a dificuldade de locomoção. O humorista tinha enfrentado, um mês e meio antes, uma complexa internação por conta de uma hemorragia digestiva. Quando atravessava a coxia, o filho André Lucas chamou a atenção dele:
— Olha, pai, é o senhor, apontando para o banner de três metros com a foto do humorista.
Como se estivesse diante de um espelho, Chico Anysio fixou-se atentamente àquela imagem. E os olhos marejaram. Nesse momento, da plateia lotada, ouviam-se risos dos espectadores a se deliciar diante de um vídeo raro de Chico City, de 1971.
— Tá ouvindo, pai? Eles estão rindo do senhor, acarinhava André.
Naquele 20 de outubro de 2010, Chico Anysio preparava-se para receber a última grande homenagem pública em vida. Quando as cortinas se abriram e os espectadores o aplaudiram de pé, o homem de mil faces já estava de rosto nu e embargado pela emoção.
— Estou aqui no meio dos grandes. Dulcina de Moraes, Procópio Ferreira, Dercy Gonçalves, Nelson Rodrigues e Cacilda Becker. Tomei até um susto porque todos estão mortos. Pensei: será que eu vou ter que morrer também?, brincou, arrancando gargalhadas uníssonas.
A morte chegou ( um ano e dois meses ) depois de enfrentar sucessivas crises hospitalares em 2011. Por conta de problemas cardíacos, pneumonias e hemorragia digestiva. O genial humorista partiu, aos 80 anos, com a lição de ter lutado minuto a minuto pela vida. Venceu uma hospitalização de 110 dias e voltou a gravar o quadro, com Salomé, no Zorra total. A voz miúda e a nítida perda de energia denunciavam à saúde frágil. Foi numa internação, aliás, que ele não pôde se despedir da irmã Lupe Gigliotti, que morreu de câncer e foi enterrada sem ele saber.
— Foi graças a Lupe que eu virei rádio-ator e locutor de uma vez só. Cheguei em casa para pegar um tênis e encontrei ela e um amigo saindo para a Rádio Guanabara a fim de fazer um teste. Desisti do futebol e fiquei em sétimo lugar para rádio-ator (o primeiro foi Fernanda Montenegro) e segundo para locutor (o primeiro foi Silvio Santos), contava.
Nessa época, aos 17 anos, Chico ainda era Francisco Anysio. E vinha dos programas de auditório abarrotado de prêmios e elogios de tanto imitar os artistas de fama. Com a velocidade de um corisco, o cearense de Maranguape acumulou rapidamente funções na rádio. De rádio-ator e locutor, se fez comediante, roteirista e comentarista esportivo. Tudo em pouco mais de um mês. Começava ali a ganhar força o furacão que tomaria conta da tevê, do cinema, do teatro, da literatura e das artes visuais.
— Sou o único Francisco que virou Chico quando quis. Depois que Chico Anysio Show estreou e foi aquele sucesso nas ruas, até minha mãe passou a me chamar de Chico no dia seguinte, dizia.
A arte de tirar graça da vida era um dos maiores trunfos de Chico Anysio. Nos shows de humor (hoje os difundidos stand-up comedy) que fazia desde a década de 1960, ele tirava sarros de fatos biográficos, como o seu nascimento em Maranguape.
— Era tão feio, mas tão feio, que o médico me colocou num frasco por dois meses até me apresentar ao meu pai, brincava.

Ator sofisticado

Chico era um cronista e um exímio observador do cotidiano. Os personagens brotavam naturalmente de um olhar. Às vezes, ele colocava a voz primeiro. Ou algum gesto. Tudo era muito contido nas composições. Chico Anysio surgia como um intérprete sofisticado num período em que as estrelas precisavam de movimentos largos e vozes empostadas. O teatro brasileiro tinha entrado havia pouco tempo na modernidade e Chico Anysio trazia criações sustentadas em detalhes. Foi a tevê, no entanto, que destacou a genialidade. Uma sobrancelha peluda e ressaltada, um nariz avantajado, uma boca pequena explodiam diante da câmera e deixavam o telespectador boquiaberto com esse ator de 209 faces.
— Como eu não tinha a graça de Brandão Filho, o talento de Walter D’Ávila e de Oscarito, quis começar travestido, sem mostrar o rosto, para que o espectador se encantasse a cada personagem.
A sofisticação dos personagens deixou o Brasil de boca aberta. A rádio já trazia a força de Chico Anysio como o Professor Raimundo, mas foi a tevê que propagou o talento de Norte a Sul. Em 1971, no auge da ditadura militar, Chico City estreava na Globo satirizando a corrupção e as maracutaias. Chico enfrentava a censura com altivez. Não abria mão do humor social, que trazia a crítica política associada.
— A gente gravava uma hora e meia para um programa de 50 minutos porque sabia que a censura cortaria, lembrava.
Por tantas vezes, veio a Brasília pessoalmente defender os textos. Não gostava que o censor cortasse sem ser lido por ele. Foi brutalmente cerceado, mas suportou, com humor, as piores pressões. Atravessou as décadas seguintes como líder absoluto de audiência até enfrentar a indiferença da TV Globo no fim dos anos 1990, quando foi colocado na geladeira ao fazer críticas à nova gestão da empresa. Foi redescoberto pelo cinema e virou ator cult de novelas. Mas o que queria mesmo era voltar com A escolinha do Professor Raimundo e o Chico Total. Em outubro, postou no blog o desejo de reeditar o humorístico comandado pelo educador que tinha como bordão o baixo salário. Ele adorava tanto passear pelas centenas de criações como dar empregos aos humoristas de várias gerações.
— Quero trabalhar até o último minuto de vida, dizia.
Infelizmente, não conseguiu ter de volta o espaço proporcional ao tamanho do seu talento e de sua contribuição para o humor brasileiro. Antes de cair doente, estava com um quadro no Zorra total, como Bento Carneiro, o vampiro brasileiro. Mas no Viva, canal de reprises da Globosat, era a estrela maior. Chico e seus personagens passavam nos três turnos.
— E não ganho nada por isso, contou na última passagem por Brasília.