Projeto concebido originalmente para a área de Ideias do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) Brasília, Mitos do Teatro Brasileiro é calcado na memória das artes cênicas nacionais.

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Rubens Corrêa, fúria no palco


Sérgio Maggio

Publicação: 25/08/2011 09:03 Atualização:

 (Xico Lima/Divulgação )

Há uma unanimidade em torno do ator Rubens Corrêa, que é sustentada até hoje, 15 anos depois de sua morte: a de intérprete excepcional, daquele que crava na memória do espectador a performance feita no palco e não deixa que o tempo apague a intensidade com que conduzia a cena. O jornalista, diretor, ator e dramaturgo Sérgio Fonta é testemunha da experiência marcante de ter ficado diante do artista. Em 1971, ele viu a montagem de O arquiteto e imperador da Assíria, texto de Fernando Arrabal, e ficou tão abalado que o encontro reverbera agora em forma de livro. Um salto para dentro da luz, da Coleção Aplauso, descortina a vida intensa de um dos maiores criadores do palco brasileiro. A obra será autografada pelo autor no sábado, às 16h30, no Auditório 2 do Museu Nacional Honestino Guimarães (Complexo da República), dentro da programação do Cena Contemporânea.

Nas reminiscências de Sérgio Fonta, o espetáculo surge potente no Teatro Ipanema, administrado por Rubens Corrêa e Ivan Albuquerque, que fez história, sobretudo, pelo alto nível das montagens. Ele viu o espetáculo 10 vezes e lembra detalhes:

— Ao entrar na pequena sala do Teatro Ipanema, com suas 280 cadeiras, o público deparava-se com uma espessa floresta verde (…) Quando o espetáculo começava, a luz mudava e percebia-se que a mata densa era a distribuição de longos fios repletos de pedaços de jornal vindos do texto e iluminados por refletores com gelatina verde que cobria toda a plateia. Os fios eram recolhidos, desapareciam como por encanto de nossos olhos e, então, iniciava-se O arquiteto e o imperador da Assíria, com poucos objetos cênicos, o palco praticamente nu, um barulho ensurdecedor para anunciar a chegada do homem que vinha de longe, o imperador.

Teatro de ator
Vinda de O Tablado, de Maria Clara Machado, a dupla Ivan Albuquerque e Rubens Corrêa inaugura o Teatro Ipanema em busca de profissionalização e experimentação. A estreia põe em cena o clássico O jardim das cerejeiras, de Tchecov, com um elenco de primeira grandeza (Vanda Lacerda, Vera Gertel, Ivone Hoffman, Nildo Parente, Hélio Ari). Havia uma preocupação forte do grupo do Teatro de Ipanema aliar um dramaturgia potente com um refinado trabalho de ator, apoiado numa direção que valorizasse a composição das personagens. O intento é conseguido de primeira. Rubens Corrêa, por exemplo, é incensado pela crítica pelo papel de Trofimov. Mas o sonho seria interrompido com o decreto do AI-5 meses depois da casa de espetáculos ter a porta aberta ao público.

— A montagem de O jardim das cerejeiras integrava o projeto batizado de Ciclo Russo, que englobava essa peça de Tchecov, ao lado de Diário de um louco, de Gogol, carro-chefe de Rubens, e A mãe, de Gorki, em versão de Brecht, trilogia jamais completada: em 13 de dezembro de 1968, o malfadado AI-5, por um extenso período, calaria a arte, as vozes, o cidadão, a liberdade. Dois dias depois, encerrava-se a temporada de O jardim das cerejeiras e estava suspensa a montagem de A mãe, conta Sérgio Fonta.

Nem a força brutal da ditadura poderia parar a volúpia de Rubens Corrêa no palco. Em 1971, um dos maiores sucessos do teatro brasileiro se estabeleceria no Teatro de Ipanema: Hoje é dia de rock, peça do autor mineiro José Vicente, que já tinha dado a Rubens e Ivan um bem-sucedido trabalho anterior, O assalto. O espetáculo ficou um ano em cartaz e abarrotou o teatro num boca a boca que contagiou a cena carioca. A última sessão, antológica, terminou na Praia de Ipanema. O autor Sérgio Fonta reúne detalhes da montagem num capítulo delicioso, chamado de As sete maravilhas do palco, em que descreve os grandes desempenhos de Rubens Corrêa. É claro que está ali, em Diário de um louco (1964), que põe Rubens Corrêa no panteão dos grandes intérpretes.

—O que posso lhes dizer, leitores? O que posso lhes dizer quando vejo um ator completo em cena? Um ator que até alguns anos atrás possuía um sem-número de deficiências técnicas, da voz ao físico e que, pouco a pouco, lutando com os outros e consigo próprio, gastando a alma e o dinheiro na profissão, conseguiu superá-las uma a uma, escreveu o crítico Fausto Wolf.

O passeio pelo quase 600 páginas de Um salto para dentro da luz é um convite a acompanhar a saga de uma fúria chamada Rubens Corrêa, tão intensa quanto uma das suas maiores influências, Antonin Artaud.


UM SALTO PARA DENTRO DA LUZ
De Sérgio Fonta. Coleção Aplauso. Imprensa Oficial, 573 páginas. Lançamento sábado, às 16h30, no Auditório 2 do Museu Nacional Honestino Guimarães (Complexo da República).

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Mãe Coragem

Mariana Moreira

Publicação: 16/08/2011 08:12 Atualização: 16/08/2011 08:58

Lélia Abramo estreou aos 47 anos e arrebatou público e crítica em Eles não usam black-tie (no detalhe acima). Antônio Abujamra dirigiu a atriz em Raízes (1961):
Lélia Abramo estreou aos 47 anos e arrebatou público e crítica em Eles não usam black-tie (no detalhe acima). Antônio Abujamra dirigiu a atriz em Raízes (1961): "Mito não se explica. É!"

Ela pisou no palco profissional pela primeira vez aos 47 anos e arrebatou a cena de imediato. Na noite de sua estreia, na clássica montagem Eles não usam black-tie, direção de José Renato Pécora e texto de Gianfrancesco Guarnieri, ouviu a seguinte frase da colega Tônia Carreiro, à época já uma dama do teatro: “Parabéns. Nós passamos a vida toda tentando acertar e você acertou de primeira”. Além de conquistar lugar cativo no panteão cênico do país, Lélia Abramo desenvolveu a faceta política e garantiu direitos trabalhistas aos artistas em plena ditadura militar, mesmo sofrendo sucessivas retaliações. A atuação múltipla da artista, que completaria 100 anos em 2011, será lembrada hoje, às 20h, no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), no projeto Mitos do Teatro Brasileiro.

Para relembrar a colega, descendente de italianos e membro do clã dos Abramo (os irmãos Cláudio e Lívio Abramo eram jornalista e artista plástico, respectivamente), foram convidados os diretores Antônio Abujamra e João das Neves. Abujamra a dirigiu em 1961, ao lado de Cacilda Becker e Walmor Chagas, em Raízes, e guarda lembranças que considera infinitas. “Ela sabia fazer com alma, coração e todos os gestos de um corpo”, relembra. Outra característica marcante da amiga, ele define com uma frase de Antônio Cândido: Lélia nunca vergava a espinha. “Mito não se explica. É”, conclui.

Um dos fundadores do grupo Opinião, João das Neves admirava o trabalho da atriz desde a estreia, quando ela ganhou todos os prêmios possíveis e conquistou espaço no tablado e nas produções televisivas da época. A oportunidade de trabalharem juntos, no entanto, só surgiu na década de 1980. “Dirigiria A mãe, de Bertolt Brecht, para o trabalho de formatura dos alunos, e sugeri que tivessem contato com uma atriz do gabarito dela. Lélia aceitou com entusiasmo e trabalhou muito com os meninos. Além de imensa atriz, era um ser humano maravilhoso, tinha um carinho grande com os atores mais jovens. Era intensa e carinhosa”, relata.

O diretor acrescenta ainda que uma marca do trabalho de Lélia eram as minúcias que criava para as personagens. “Ela tinha cuidado com cada aspecto de cada personagem e da encenação. Discutia conosco cada pedacinho, cada particularidade de seu trabalho. Era um diálogo muito intenso e ela não se interessava apenas pelo seu papel, mas pelo todo”, elogia.

Salva por Cacilda
Os dois veteranos estarão acompanhados de dois atores da cidade: J. Abreu, codiretor, presente no palco em todas as edições do projeto, e da atriz e arte-educadora Antonia Artheme. Juntos, eles farão três cenas inspiradas na vida da homenageada. Na primeira, Antonia encarna Lélia, em um encontro com quatro homens de sua família: o avô, o pai, o irmão Athos e José Renato Pécora, fundador do Teatro de Arena, e descobridor do talento da atriz. Pécora viria dar seu depoimento no projeto, mas morreu em maio deste ano. Ao entrar na história, acaba sendo também homenageado durante a noite. “Nessa cena, falamos dos amores, da família, das guerras, das dificuldades”, adianta J. Abreu.

Na cena seguinte, Antonia vive Cacilda Becker, atriz e amiga de Lélia, que a resgatou de um dos porões do Departamento de Ordem Política e Social (Dops), durante a ditadura. Passagem imprescindível, já que sua força combativa contra a repressão e as injustiças relacionadas à classe artística eram indissociáveis de sua atuação. “Ela tinha tanta crença em seus personagens quanto em sua ideologia política”, destaca Antonia.

Na cena final, os dois se encontram para relembrar esses momentos em que a militância passou a interferir na carreira, afastando-a de prêmios e papéis importantes. Quando presidia o Sindicato dos Artistas de São Paulo e lutava por melhores condições de trabalho, viu sua personagem na novela Pai herói ser assassinada subitamente. Ganhou um candango de atriz coadjuvante no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, com O caso dos irmãos Naves, em 1967, mas não foi convidada para receber o troféu.

Saga italiana

Filha de imigrantes italianos, Lélia foi criada em um casarão no bairro do Ipiranga, em São Paulo, ao lado dos seis irmãos, que também tiveram destaque em suas áreas de atuação. Trabalhou em um banco, em uma fábrica e formou-se jornalista. Aos 30 anos, começou a sentir um grave mal-estar, mas nenhum médico brasileiro conseguia diagnosticar a doença. De carona com a irmã, Lélia rumou para a Itália e, lá, descobriu que tinha cistos no ovário esquerdo. Mas o médico retirou o vário saudável em uma cirurgia e ela perdeu a esperança em ter filhos. Mesmo depois do tratamento, Lélia não conseguiu voltar para o Brasil. A Segunda Guerra Mundial havia estourado e as viagens ficaram prejudicadas. Doente e sem dinheiro, ela perambulou pelas ruas do país, vivendo de forma precária durante anos.

Ao voltar ao país, após 12 anos na Europa, ela finalmente passou a integrar grupos de teatro amador, até fazer parte do Teatro de Arena na peça que a tornaria célebre: Eles não usam black-tie. Em pouco tempo, a atriz era presença constante nos palcos, no cinema e nos teleteatros ao vivo. Nas novelas, foi eternizada como Bibiana, na minissérie O tempo e o vento. No teatro, interpretou personagens de Bertolt Brecht, Ionesco, Federico Garcia Lorca, Shakespeare, Beckett, entre outros. Fez 14 filmes e mais de 40 teleteatros.

Mas a militância que herdou da família e exercitou ao longo de toda a vida interromperam essa trajetória de sucesso. Por lutar pela classe artística, ela sofreu boicotes de empresas de comunicação. Conheceu Lula no período das greves históricas do ABC Paulista e foi fundadora histórica do Partido dos Trabalhadores (PT), lutando ativamente em todas as etapas da redemocratização do país. A atriz morreu em 2004, aos 93 anos, vítima de uma embolia pulmonar.


MITOS DO TEATRO BRASILEIRO
Direção, texto e concepção cênica: Sérgio Maggio e J. Abreu. Com Antônio Abujamra, João das Neves, Antonia Artheme e J. Abreu. Hoje, às 20h, no Centro Cultural banco do Brasil (CCBB) – SCES Trecho 2, Lote 22 – 3108-7600. Entrada franca, mediante retirada de ingressos com uma hora de antecedência. Não recomendado para menores de 12 anos.

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Lélia Abramo no CCBB Brasília



O livro Lélia Abramo - Vida e Arte mostra a compatibilidade entre arte e política. Emocionante e ética, Lélia fez da vida a maior obra de arte. Esgotada, a biografia será re-editada pela Editora Perseu Abramo. Amanhã, vamos celebrar a memória desta dama, às 20h, no Ccbb Brasília, com Antonio Abujamra e João das Neves, um dos criadores do grupo Opinião. No palco, J. Abreu e Antonia Artheme vivem cenas que dialogam com a biografia de Lélia. A entrada é franca e as senhas distribuídas às 19h.

terça-feira, 9 de agosto de 2011

A memória do teatro


A mémoria de Lélia Abramo será saudada no dia 16 de agosto, às 20h, no CCBB Brasília, com Antonio Abujamra e João das Neves. Entrada franca

Sérgio Maggio

Ano passado, um internauta respondeu-me pelo Twitter, quando postei sobre uma das maiores atrizes do século 20, quando divulgávamos o Mitos do Teatro Brasileiro, projeto de Ideias do CCBB Brasília: “Achava que Cacilda Becker era um teatro. Não sabia que era uma pessoa!”
Cacilda Becker, dama dos palcos que lutou bravamente contra a censura cruelmente imposta ao teatro e a prisão de artistas durante a ditadura militar, infelizmente está esquecida entre as novas gerações.
É da natureza do teatro a fugacidade, o aqui e agora do espetáculo que, depois de fechada a cortina, sustenta-se apenas na lembrança de quem viu. O que sobra são vestígios: fotografias, programas, cartazes, figurinos, resenhas em jornais e, hoje, DVDs.
No Brasil, não um projeto nacional de preservação da memória do teatro. A Funarte mantém um site com algumas biografias e fotos, mas a maioria dos acervos dos artistas mortos se perde com os herdeiros. Onde estão as joias teatrais deixadas por Cacilda Becker, Procópio Ferreira, Jaime Costa, Leopoldo Fróes e Nelson Rodrigues?
O que sobrou do legado de Dulcina de Moraes, por exemplo, está em quartinho da Fundação Brasileira de Teatro sem condições ideais de preservação.Há pouco, descobrimos que o acervo do grandioso Augusto Boal vai para a Universidade de Nova York. A viúva Cecília Boal revela o desejo de encontrar com a presidente Dilma Rousseff para falar sobre o destino do tesouro deixado pelo criador do Teatro do Oprimido.
O momento é propício para se pensar na memória do teatro brasileiro. Um museu com acervos e biografias digitalizadas é sonho para salvaguardar a luta de tantos homens e mulheres que fizeram do nosso teatro um dos mais vigorosos do mundo. O conteúdo do teatro brasileiro em disciplinas de arte também poderia tirar a juventude da cegueira cultural.
Hoje, já não se sabe mais quem foi Dina Sfat e, acredite, Paulo Autran — astros que também brilharam na popular telenovela. O teatro brasileiro que já apanhou e enfrentou a ditadura militar merece a atenção de um país que almeja ser uma potência mundial. Sem memória, seremos um gigante abobado, cujos cidadãos jovens vão continuar acreditando que um prédio de concreto tem nome próprio por pura obra do acaso.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Eles não usam black-tie - programa








Programa original de Eles Não usam black-tie







Lélia Abramo brilhou como Romana em Eles não usam black-tie


Trecho de Eles Não usam black-tie
Autor: Gianfrancesco Guarnieri

Tião – Papai...

Otávio – Me desculpe, mas seu pai ainda não chegou. Ele deixou um recado comigo, mandou dizer pra você que ficou muito admirado, que se enganou. E pediu pra você tomá outro rumo, porque essa não é casa de fura-greve!

Tião – Eu vinha me despedir e dizer só uma coisa: não foi por covardia!

Otávio – Seu pai me falou sobre isso. Ele também procura acreditá que num foi por covardia. Ele acha que você até que teve peito. Furou a greve e disse pra todo mundo, não fez segredo. Não fez como o Jesuíno que furou a greve sabendo que tava errado. Ele acha, o seu pai, que você é ainda mais filho da mãe! Que você é um traidô dos seus companheiro e da sua classe, mas um traidô que pensa que tá certo! Não um traidô por covardia, um traidô por convicção!

Tião – Eu queria que o senhor desse um recado a meu pai...

Otávio – Vá dizendo.

Tião – Que o filho dele não é um "filho da mãe". Que o filho dele gosta da sua gente, mas que o filho dele tinha um problema e quis resolvê esse problema de maneira mais segura. Que o filho é um homem que quer bem!

Otávio – Seu pai vai ficá irritado com esse recado, mas eu digo. Seu pai tem outro recado pra você. Seu pai acha que a culpe de pensá desse jeito não é sua só. Seu pai acha que tem culpa.

Tião – Diga a meu pai que ele não tem culpa nenhuma.

Otávio – Se eu tivesse te educado mais firme, se te tivesse mostrado melhor o que é a vida, tu não pensaria em não ter confiança na tua gente...

Tião – Meu pai não tem culpa. Ele fez o que devia. O problema é que não podia arriscá nada. Preferi tê o desprezo do meu pessoal pra poder querer bem, como eu quero querer, a tá arriscado a vê minha mulhé sofrê como minha mãe sofre, como todo mundo nesse morro sofre!

Otávio – Teu pai acha que tem culpa!

Tião – Tem culpa de nada, pai!

(...)

Romana (entrando) – Te mandou embora mesmo, não é?

Tião – Mandou!

Romana – Eu digo que vocês tudo estão com a cabeça virada!

Tião – Não foi por covardia e não me arrependo!

RomanaEu sei. Tu é teimoso... e é um bom rapaz.

(...)

Tião – Não posso ficá, Maria... Não posso fica! ...

Maria (Pará de chorar. Enxuga as lágrimas) – Então, vai embora... eu fico. Eu fico com Otavinho... Crescendo aqui, ele vai tê medo... e quando tu acreditá na gente... por favor, volta! (sai)

Tião – Maria, espera! (correndo, segue Maria. Pausa.)

Otávio (entrando) – Já acabou?

RomanaVai falar com ele, Otávio... vai!

Otávio – Enxergando melhó a vida, ele volta. (retorna ao quarto. Entram Chiquinho e Teresinha)

Chiquinho – Sabe, mãe, aquele samba...

Teresinha – O samba do "Nós não usa black-tie".

Chiquinho – Tá tocando no rádio...

RomanaO quê?

Teresinha – O samba do Juvêncio, aquele mulato das bandas do Cruzeiro!

Chiquinho – Ele tá chateado à beça. O samba tá com o nome de outro cara. (sai correndo)

Teresinha – Eu fiquei com pena do Juvêncio. Ta perto da bica, chorando! Chiquinho!(sai)

Romana, sozinha. Chora mansamente. Depois de alguns instantes, vai até a mesa e começa a separar o feijão. Funga e enxuga os olhos...

Lélia Abramo, dama dos palcos


Toda essa intensa participação na vida cultural brasileira está registrada em seu livro autobiográfico, lançado em 1997, Vida e Arte, onde reuniu reflexões sobre o ofício de Lélia Abramo. Analisando sua trajetória, fixa o cenógrafo Gianni Ratto: "As circunstâncias profissionais da "gens theatralis" são quase sempre imprevisíveis; no caso de Lélia, a passagem por um grupo amador de língua italiana foi indiretamente responsável pelo convite que ela recebeu para atuar em Eles Não Usam Black-Tie, de Gianfrancesco Guarnieri, interpretação que confirmou nela, revelando-o aos outros, um talento do qual nunca tinha duvidado. [...] O que me parece extraordinário em Lélia é a capacidade que ela tem de coordenar uma visão estético-crítica que sempre norteará seu trabalho com a postura sociopolítica que até hoje não a abandona, e, o que mais me surpreende, é que em todas as suas atitudes, talvez sem percebê-lo, é luminosamente suprapartidária".1

Na batalha, Lélia Abramo faz história

Afastada dos palcos durante muitos anos, dedica-se à causas políticas e culturais, ocupando o desempenho central de A Mãe, de Máximo Gorki, encenação de João das Neves, efetivada em 1985 com alunos da CAL - Casa das Artes de Laranjeiras, escola carioca de formação de atores.

Lélia possui intensa participação no cinema, com ênfase nos filmes Vereda da Salvação, 1963, O Caso dos Irmãos Naves, 1967; Joana, a Francesa, 1972, ao lado de Jeanne Moreau; O Sonho Não Acabou, 1980; Eles Não Usam Black-Tie, 1981; e Janete, 1982.

Na televisão possui longa e profícua participação, iniciada com A Muralha,1962, ao vivo, na TV Cultura, São Paulo; prosseguindo em diversas emissoras: Prisioneiro de um Sonho, 1964-1965, na TV Record, SP; Redenção, 1966, na TV Excelsior, SP; Nossa Filha Gabriela, 1971/1972, na TV Tupi, SP; e nas produções da Rede Globo Uma Rosa Com Amor, 1972/1973, e Os Ossos do Barão, 1973/1974.

Lélia Abramo, rainha do TBC

No Teatro Cacilda Becker (TCB), Lélia Abramo participa de Raízes, de Arnold Wesker, direção de Antônio Abujamra; Os Rinocerontes, de Eugène Ionesco, com o comando de Walmor Chagas; e Oscar, de Claude Magnier, dirigido por Cacilda Becker, todas em 1961.

A partir de 1962, entra para o Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), projetando-se em Yerma, de Federico García Lorca, direção de Antunes Filho, 1962; Os Ossos do Barão, encenação de Maurice Vaneau, 1963, e Vereda da Salvação, de Jorge Andrade, 1964, mais um espetáculo de Antunes.

Boas oportunidades surgem em Os Espectros, de Henrik Ibsen, com o comando de Alberto D'Aversa, em 1965; e Lisístrata, A Greve do Sexo, novamente com Vaneau, agora numa produção de Ruth Escobar, 1967. Como Clitemnestra, na montagem de Maria José de Carvalho para Agamemnon, de Ésquilo, atinge novo ponto alto na carreira, 1968/1969.

Seu perfil trágico encontra novo realce como Margarida de Anjou, personagem de Ricardo III, de William Shakespeare, na encenação de Antunes Filho de 1975. Em chave altamente dramática cria Pozzo, o patrão de Esperando Godot, de Samuel Beckett, também direção de Antunes Filho com elenco totalmente feminino que destaca Eva Wilma e Lilian Lemmertz nos papéis centrais, 1976.

Lélia Abramo, grande dama

Lélia Abramo (São Paulo SP 1911 - idem 2004). Atriz. Intérprete de grandes recursos, envolvida em significativos movimentos a favor de um teatro culturalmente empenhado. Alia à sua atividade artística forte participação política e cultural.

Integrante da família Abramo, formada por jornalistas, pintores e críticos de arte, Lélia passa a infância em meio ao ambiente cultural, integrando grupos teatrais amadores de origem socialista. É amiga do crítico de arte Mário Pedrosa, de quem partilha as idéias, tendo sido presa na Itália na luta contra Mussolini. De volta ao Brasil, reintegra-se ao movimento cultural, estreando profissionalmente no papel de Romana, a mãe de Eles Não Usam Black-Tie, peça de Gianfrancesco GuarnieriJosé Renato, no Teatro de Arena, em 1958. Arrebata os prêmios Saci, Associação Paulista de Críticos Teatrais (APCT), e Governador do Estado de melhor atriz coadjuvante. dirigida por

No ano seguinte, está em Gente como a Gente, direção de Augusto Boal, texto de Roberto Freire. Em 1960, destaca-se no papel-título de Mãe Coragem e Seus Filhos, polêmica montagem do texto de Bertolt Brecht por Alberto D'Aversa e produzida por Ruth Escobar.

domingo, 7 de agosto de 2011

No mundo azul do Tablado



Ricardo Daehn

Publicação: 07/08/2011 08:00 Atualização:


De um lado, uma dedicada profissional, dona de “franqueza” (na definição do diretor Hamilton Vaz Pereira) e “formadora de seres humanos”, como detecta o ator Marcos Palmeira; do outro, uma instituição sexagenária — um espaço de convivência, que unia “pessoas de diferentes camadas sociais, cores e idades”, pelo que sintetiza a atriz Malu Mader. Unindo as duas pontas, um documentário: O Tablado e Maria Clara Machado, assinado por Creuza Gravina, dona do “projeto pessoal” que, a partir de 45 horas de filmagens e presença de 61 entrevistados, traça homenagem para a mais reconhecida das autoras de teatro infantil no Brasil. “As peças são lindas, independentemente da idade da plateia. Elas levam uma mensagem especial”, observa ela.

Na produção, transparecem as situações de identificação das montagens, diluídas em imagens de arquivo, fotos e mesmo breves leituras dramáticas contemporâneas. “A menina e o vento, por exemplo, mostra uma protagonista percebendo outros focos para a vida. Há a amizade do tímido Pluft, o fantasminha, que confia na menina da peça por ela ser criança, e assuntos como o amor incondicional de O cavalinho azul”, explica a diretora do longa, previsto para estrear até outubro, no ano em que professora faria 90 anos e o Tablado completa seis décadas.Presente no filme, a crítica teatral Bárbara Heliodora, que já foi árvore e girafa em montagens de Maria Clara, comenta: “Não eram textos que faziam as crianças de bobinhas, eles tinham conteúdo”.
Criado em 1964, o curso mantido pelo Tablado rendeu aperfeiçoamento para talentos como Luiz Carlos Tourinho, Louise Cardoso, Sura Berditchevsky e Marcelo Serrado, todos integrantes do documentário. Estudante do Tablado por nove anos, Creuza Gravina tomou as rédeas do projeto, pela lacuna de registro audiovisual. “Comecei quando Maria Clara estava viva e seria ela contando a história de sua vida, mas ela morreu antes. Não queria que as pessoas dessem depoimentos sofridos. Foquei nelas contando as experiências e a formação na escola”, explica.Da “soldada do Tablado” Andréa Beltrão ao marco zero para a carreira de Marieta Severo (“tudo começou aqui”, diz), O Tablado e Maria Clara Machado registra momentos especiais para os atores Lupe Gigliotti e Ernesto Piccolo. Enquanto a atriz (morta em dezembro passado) declama um poema para a professora (“teatro é jogo é alegria”/ “fui pra lá (o Tablado), ressuscitar”), Piccolo comenta do medo inicial (“pra mim, ela era uma entidade”) até ser tomado pela emoção da lembrança de atuar em O cavalinho azul.
Painel de gerações
Munida de câmera digital e da experiência de mais de 15 anos de teatro, Creuza Gravina, que desenvolveu o roteiro, produziu e auxiliou na edição, contou não apenas com dotes de analista de sistemas para acirrar o senso de ordenação necessário à fita. “Talvez, por ser virginiana”, brinca. Numa corrente larga, 61 entrevistados compõem o painel de diferentes gerações, além de colaborarem, ludicamente, com a colcha de retalhos formada por trechos de peças dispostos no longa (com 75 minutos). “Teria material para fazer vários filmes ou uma série”, comenta a diretora Gravina. Cinco anos foram empregados no filme, que ainda exigiu mais dois anos para a legendagem, feita em inglês e espanhol.Ultrapassando a abordagem artística, o longa, na percepção da diretora, que tomou parte em mais de 11 festivais, pode ampliar o público-alvo prioritário: estudantes de teatro e alunos de escola pública. “Busquei um dinamismo, e o interesse pode vir também por causa das pessoas que estão na mídia e contam parte de suas formações. O filme mostra o espírito do trabalho em grupo e da união”, sublinha.
Requisitado por programações de cineclubes e escolas, O Tablado e Maria Clara Machado imprime um retrato de um ícone avesso ao posto de “celebridade”, como reforça um dos entrevistados. Sem ter tido aulas com a mestra — “naquela época, só dava aula para crianças e idosos” —, Creuza, entretanto, acompanhou parte do cotidiano de Maria Clara na secretaria do Tablado e nas estreias de peças. Foram momentos que complementaram o aprendizado. “Para mim, ficou a valorização do teatro amador, o amor dela ao teatro. Ela tinha medo de a pessoa estudar só para adquiri registro profissional. Isso era uma consequência. Ela queria que fizéssemos tudo com muito amor, sempre pensando no que seria levado para o público”, conclui.

Aqui em Brasília,trechos do filme foram apresentados no projeto Mitos do Teatro Brasileiro em homenagem a Maria Clara Machado.

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Lélia Abramo, Dama Centenária

O CENTRO CULTURAL BANCO DO BRASIL E O PROJETO MITOS DO TEATRO BRASILEIRO — ANO II, CELEBRAM 100 ANOS DE LÉLIA ABRAMO, CONSAGRADA ATRIZ QUE COMBATEU A DITADURA MILITAR



Nos bastidores da estreia de “Eles não usam black-tie”, de Gianfrancesco Guarnieri, em fevereiro de 1958, uma senhora de 47 anos se concentrava para cumprir a sina de menina, que sempre sonhou com os palcos, mas nunca conseguiu exercitar o ofício de ser atriz. Estava nervosa, com medo do sotaque italiano ofuscar a força da mulher do morro idealizada pelo autor. O Teatro de Arena estava prestes a entrar para a história ao montar um texto reflexo da sociedade brasileira, quando a personagem Romana pisa no tablado e revela o talento inquestionável de Lélia Abramo. A trajetória da vida dessa grande atriz ocupa o palco do Teatro I do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) no terceiro módulo do projeto Mitos do Teatro Brasileiro — Ano II, no dia 16 de agosto (terça-feira), às 20h, com entrada franca.

Com cinco prêmios ganhos de uma única vez, Abramo abria os caminhos para trilhar uma carreira, que imediatamente tomaria conta do teatro, do cinema e da tevê. De uma hora para outra, não se falava em outra intérprete, dona de recursos incontáveis. Vinda de família italiana e de um histórico de lutas pela justiça social e pela liberdade, a atriz, que começou a carreira tardiamente, se posicionou também como uma força política na classe artística, combatendo os abusos da ditadura militar nos difíceis anos 1960. Foi presa e perseguida, mas não saiu do front de batalha, lutando por um teatro livre e com melhores condições de trabalho para o ator.

Para falar de Lélia Abramo, que completaria 100 anos em 2011, entram em cena os atores J. Abreu e Antônia Arteme para viver cenas inéditas, criadas pelo dramaturgo Sérgio Maggio, enquanto os diretores Antonio Abujamra e João das Neves testemunham fatos relevantes vividos ao lado dessa mulher que conduziu o teatro brasileiro à modernidade. As senhas para o encontro devem ser retiradas meia hora antes do evento).

Amigo e admirador de Lélia Abramo, Antonio Abujamra a dirigiu no espetáculo Raízes, no Teatro Brasileiro de Comédia, ao lado de Cacilda Becker. “Falar de Lélia Abramo, é falar da ética, da coerência humana”, destaca. Fundador do Teatro Opinião, João das Neves comandou uma segunda montagem em que a atriz interpretou Mãe Coragem, de Brecht. “Ele fez uma Mãe inesquecível”, lembra o diretor.

Após celebrar, com êxito de público e crítica, as trajetórias de Dulcina de Moraes, Dercy Gonçalves, Procópio Ferreira, Nelson Rodrigues, Cacilda Becker, Chico Anysio, Maria Clara Machado e Plínio Marcos, Mitos do Teatro Brasileiro segue saudando a memória de Paulo Autran (21 de setembro, com Karin Rodrigues e Elias Andreato), Augusto Boal (18 de outubro, com Amir Haddad e Aderbal Freire-Filho) e Dina Sfat (22 de novembro, com Juca de Oliveira e Thelma Reston). “É uma segunda geração do século 20, que vai permitir apontar as grandes transformações do teatro brasileiro a partir dos anos 1960”, observa Maggio.

Num formato de teatro-documentário, no qual se constrói ao vivo a biografia cênica do homenageado, a partir da junção de esquetes, depoimentos e vídeos, o projeto Mitos do Teatro Brasileiro contribui para consolidar a memória das artes cênicas. “É uma aula-espetáculo, na qual aprendemos juntos, artistas e plateia, a entender a construção desse teatro”, observa o ator J. Abreu.

· Acompanhe a pesquisa do projeto no blog mitosdoteatrobrasileiro.blogspot.com e siga-o no Twitter @mitosdoteatro

SERVIÇO:

Projeto: Mitos do Teatro Brasileiro Ano II - Lélia Abramo

Direção, texto e concepção cênica: Sérgio Maggio e J. Abreu.

Com: J. Abreu, Antônia Arteme, Antonio Abujamra e João das Neves

Horário: terça-feira, às 20h

Duração: 100 minutos

Classificação indicativa: 12 anos

Local: Centro Cultural Banco do Brasil Brasília (CCBB) – SCES, Trecho 2, Lote 22, Brasília

Telefone: (61) 3108-7600

Ingressos: Entrada franca. Senhas serão distribuídas na bilheteria com meia hora antecedência.

O CCBB disponibiliza ônibus gratuito, identificado com a marca do Centro Cultural. O transporte funciona de terça a domingo, saindo do Teatro Nacional a partir das 11h.

Trajeto e Horários

Teatro Nacional: 11h, 12h25, 13h50, 15h15, 16h40, 18h05, 19h30, 20h55, 22h

SHN – Manhattan: 11h05, 12h30, 13h55, 15h20, 16h45, 18h10, 19h35, 21h, 22h05

SHS – Hotel Nacional: 11h10, 12h35, 14h, 15h25, 16h50, 18h15, 19h40, 21h05, 22h10

SBS – Galeria dos Estados: 11h15, 12h40, 14h05, 15h30, 16h55, 18h20, 19h45, 21h10, 22h15

Biblioteca Nacional: 11h20, 12h45, 14h10, 15h35, 17h, 18h25, 19h50, 21h15, 22h20

UNB – Inst. Artes: 11h30, 12h55, 14h20, 15h45, 17h10, 18h35, 20h, 21h25, 22h30

UNB – Biblioteca: 11h35, 13h, 14h25, 15h50, 17h15, 18h40, 20h05, 21h30, 22h35

CCBB: 12h10, 13h35, 15h, 16h25, 17h50, 19h15, 20h40, 21h45, 22h45

Assessoria de Comunicação

Âncora Comunicação

Carla Spegiorin

E-mails: carla@ancoracom.com.br e carlaspegiorin@gmail.com

Telefone: (61) 8404-6069

Camila Santos

camila@ancoracom.com.br

Telefone: (61) 8489-8167

O artista e a política, segundo Lélia Abramo

“O artista tem um poder de atração muito grande, por isso é tão perseguido pelas autoridades e governos, reacionários. A arte é sempre um grito de liberdade; o ator convence, quando fala, da mesma forma como quando está representando”. Eu sou da opinião de que o ator, mesmo não tendo uma ideologia, deve ter consciência e visão política, caso contrário ele poderá ser um inocente útil de um Roberto Marinho, por exemplo. Eu sempre estava presente nos comícios do Lula, fui a primeira presidente de Sindicato, não operário, a aderir à Lula e ao movimento sindical de São Bernardo do Campo. Por essa razão, a Globo me tirou da novela e de lá para cá, já há uns dez anos, nunca mais trabalhei em nenhuma outra emissora de tevê. Eles cortaram meu direito civil ao trabalho. Hoje, o poder de Paulo Betti e de Antonio Fagundes é o mesmo fenômeno. Você já imaginou, por exemplo, um Tarcísio Meira com idéias de esquerda? O que faria Glória Menezes ou Regina Duarte, com idéias de esquerda? Seria uma coisa fantástica. É por conhecer a força de transformação de um artista, de um jornalista, que os donos das cadeias de tevê, jornais, cercam seus profissionais num círculo de fogo. Eu não me arrependo de nada do que fiz, só fico preocupada com o que ainda está por vir. No Brasil, é muito difícil fazer prognósticos porque na maioria das vezes o povo age de maneira emocional. É um povo muito vivo, inteligente, criativo, mas imprevisível. Ele também ignora a origem das coisas e, sobretudo, as conseqüências de certas coisas.Trate

-se de um povo que não está acostumado a ligar causa e efeito, o que considero um grande defeito”.

Lélia Abramo, trotkista

“Nós ainda temos muito o quê avançar porque as conquistas, sobretudo as do proletariado, são pequenas e desrespeitadas em comparação à dos operários do primeiro mundo. O Capitalismo europeu mais inteligente e avançado compreendeu que se não cedessem e não abrissem algumas facilidades ao operariado, eles seriam destruídos. Já no Brasil, a classe dominante não permite a existência da verdadeira democracia, assim o proletariado tem que lutar muito para obter suas conquistas, às vezes sem consegui-las”.

O pensamento político de Lélia Abramo

“Eu penso que a situação atual é uma situação anômala, uma situação perigosa também porque todos os problemas da nação foram passados para segundo, terceiro planos, jogados de lado, omitidos, para se pensar só na reeleição”

“Fernando Henrique Cardoso, é um homem extremamente vaidoso, e que quer o poder, mas não em benefício da Nação e, sim, em benefício dele mesmo."

“Em minha longa vida eu já tinha participado de muitas manifestações, e vivido a guerra na Europa. Por isso, já sabia o que eram bombardeios, saques, invasões de casas, e ataques aéreos. Nessa manifestação em São Bernardo, fiquei tranqüila quando vi o povo tão determinado, mas evidentemente, como qualquer criatura humana, tive medo. Aquilo o que estava acontecendo naquele momento era uma coisa muito séria; e a polícia estava disposta a atirar. Mas, com a segurança, consciência e determinação

Lélia Abramo na luta pela democracia



Participação no 1º de Maio de 1980

“No 1º de Maio de 80 já existia o Partido dos Trabalhadores, mas nesse dia toda a oposição também estava presente. Todos se reuniram em frente à Igreja da Matriz, em São Bernardo do Campo, e seguiram em marcha até ao Estádio de Vila Euclides, também nesse município. Durante todo o trajeto, nós cantamos a música Geraldo Vandré, "Pra não dizer que não falei das Flores", os homens carregando seus filhos nas costas, e todos com cravos vermelhos nas mãos”.

“O Brasil é um país que precisa de uns 300 anos para começar

a ter consciência da cidadania”

“É por conhecer a força de transformação de um Artista, de um Jornalista que os donos das cadeias de TV, jornais, cercam seus profissionais, num círculo de fogo”

fac-símile do Jornal impresso Macunaima com destaque a entrevistas com Lélia Abramo

“Nessa época, eu era presidente do Sindicato dos Artistas e, portanto, mobilizei toda minha diretoria e fomos para São Bernardo. Eu não poderia persuadir a Entidade a ter posições políticas, mas foi o que acabou acontecendo. Pessoalmente, assumi e escolhi um caminho e o Sindicato veio atrás. Este era um momento muito especial, quando havia inúmeros movimentos, e não somente no ABC. Em São Paulo, por exemplo, existia o movimento contra a carestia, contra a fome, etc., sempre tendo à frente a igreja católica que deu iniciou à Revolta, através das Comunidades Eclesiais de Base (CEB), Teologia da Libertação, que apoiou a todas essas manifestações. Na véspera do 1º de Maio eu havia recebido um maço de cravos, e me lembro que antes de ir a São Bernardo do Campo, num gesto instintivo, levei as flores e comigo. Ao chegarmos lá distribuí os cravos a toda minha diretoria, e também para todas as pessoas que estavam por perto. Para minha surpresa muita gente também havia levado flores, embora o clima não estava para cravos e rosas e, sim uma praça de guerra tinha se instalado em pleno ABC.


Havia soldados com metralhadoras e cães, em todo canto. Também os helicópteros da polícia sobrevoavam baixinho, com o intuito de amedrontar o povo que já se aglomerava na igreja e na Praça da Matriz. Poucas vezes, em toda a minha vida presenciei uma situação assim, tão contrastante; de um lado, a polícia arrogante, furiosa e petulante e, de outro, o povo com muita determinação e coragem. Quando iniciamos a passeata, em direção ao estádio da Vila Euclides, eu disse para alguém que estava ao meu lado que nós estávamos em perigo. O comandante me reconheceu e disse que se eu não quisesse sofrer nada, que ficasse a seu lado que ele me protegeria. Imediatamente, respondi que preferiria passar perigo, e a ficar ao lado dos meus. Durante a passeata, a polícia avançava e se postava contra o povo e as pessoas, por sua vez, cantavam; era dezenas de milhares de pessoas, uma massa compacta. Evidentemente, que deve ter havido uma troca de informações do comandante que estava lá na praça, com a sede do Exército porque em certo momento, quando estávamos próximos ao Estádio, a polícia recuou e desapareceu. Nós entramos gloriosos no estádio, e assim foi um comício belíssimo, apoteótico”.