Projeto concebido originalmente para a área de Ideias do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) Brasília, Mitos do Teatro Brasileiro é calcado na memória das artes cênicas nacionais.

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Thelma Reston, uma atriz de todos os tempos


Ícone da obra de Nelson Rodrigues,  ela passou por grupos que renovaram o teatro nacional


Sérgio Maggio

Foto: TV Globo/Divulgação
Na ativa, Thelma Reston tinha acabado de brilhar no teatro e na tevê: vida dedicada à arte 

Thelma Reston estava feliz com os mimos profissionais colhidos em uma vida dedicada ao ofício de atriz de teatro, de cinema e de televisão. A última personagem de novelas, Dona Violante, de Aquele beijo, a enchia de orgulho. A cada capítulo, a velha senhora crescia em cena a ponto do autor Miguel Falabella ter que aumentar mais e mais a sua participação. “Ele está escrevendo mais falas para mim. Adoro. Aliás, aquele núcleo dos gordos é maravilhoso. São atores fantásticos”, comentava. Thelma era assim, extremamente generosa com antigos e novos amigos. Se alguém ligava para ela com um convite de trabalho e por algum motivo ela não podia fazer, rapidamente sugeria alguma substituta à altura. Esse companheirismo era uma das marcas dessa grandiosa atriz goiana, que morreu ontem aos 73 anos, vítima de câncer.
Durante as gravações de Aquele beijo, Thelma chegou a ser afastada. Tinha passado por uma cirurgia no útero, mas se recuperava bem. “Falei com ela faz pouco tempo. Estava ótima, bem-humorada e cheia de energia. No começo de 2013, íamos fazer, aqui no meu apartamento, a leitura do roteiro de Cabaré das Donzelas Inocentes”, conta o cineasta Dannon Lacerda, referindo-se ao primeiro longa-metragem dele, no qual ela teria um papel de destaque.
A morte de Thelma Reston pegou a todos de surpresa. “Minha amiga de tantos anos foi pro andar de cima. Ainda pude homenageá-la em Aquele beijo, na qual ela fez a hilária Dona Violante, a ladra contumaz. Eternas saudades desse seu amigo, que hoje apenas recolhe as lembranças de toda uma vida e chora”, lamentou Miguel Falabella em seu perfil no Facebook.
Neste ano, centenário de Nelson Rodrigues, Thelma Reston era uma das personalidades mais requisitadas para entrevistas e participações em palestras. Ela foi uma atriz que passou por quase todas as estreias da dramaturgia do autor de Vestido de noiva. Ela estava lá, em 1960, em A falecida, numa ousada direção de Rubens Corrêa. “Há uma predestinação que traz Thelma Reston para o meu teatro e meus filmes. Posso dizer que ela percorreu meus textos. Faço também questão de confessar que sou seu admirador há muito tempo. Bem sei que o brasileiro admira pouco. Não tenho este defeito horrendo. Admiro Thelma Reston e cada vez mais. Direi, por fim, que é uma grande atriz”, avaliava Nelson Rodrigues.
Os filmes baseados na obra de Nelson Rodrigues também foram palco para Thelma Reston brilhar. Em Os sete gatinhos, de Neville D’Almeida, ela fez A Gorda. E é dona de uma das cenas antológicas na cinematografia nacional ao se revelar quem era o verdadeiro autor dos “caralhinhos de asas” desenhados na parede da casa. Fez ainda Terra transe, de Glauber Rocha, numa filmografia ímpar com mais de 40 obras.

Revolucionária

Thelma Reston é uma atriz que está na base da renovação do teatro brasileiro. Estreou sob a direção de duas divas, Dulcina de Moraes e Henriette Morineau, com Tia Mame, em 1959. Depois, lançou-se nos palcos como os novos, passando pelos grupos Teatro Ipanema, de Rubens Corrêa e Ivan Albuquerque; Centro Popular de Cultura (CPC), Teatro Jovem, Grupo Opinião e Teatro Oficina. Intuitiva e autodidata, era uma atriz desejada por diretores do porte de Ziembinski, Oduvaldo Viana Filho, o Vianinha, Martim Gonçalves e Flávio Rangel. Entre as dezenas de montagens, estão as históricas O balcão, de Jean Genet, com produção de Ruth Escobar e direção de Victor Garcia; O casamento do pequeno burguês, de Luis Antônio Martinez Corrêa; e A Ópera do Malandro, de Chico Buarque.
Mesmo cobiçada pelo cinema e pela tevê, seguiu firme no teatro, trabalhando, nos anos 1970, na Companhia de Dina Sfat, que a tinha como uma atriz “pé de coelho” e uma amiga de todas as horas, da qual não podia abrir mão. O último trabalho nos palcos foi em A cantora careca (2011), dirigido pela amiga Camila Amado e com outra “irmã” em cena, Maria Gladys. A peça fez temporada de casa cheia no Rio o que deixou Thelma Reston em estado de graça.

domingo, 18 de novembro de 2012

Grandes Atrizes que o Brasil Esqueceu - Lucília Peres


Lucília Peres na Grande Companhia Dramática do Teatro da Exposição Nacional, empresa fundada por Artur Azevedo. Belém, Pará (1908).

Atrizes que o Brasil esqueceu - Lucília Peres: Filha do ator Gil Ribeiro e da atriz Olívia Montani, nasceu em Lorena (SP) a 6 de março de 1881. Casou-se com o escritor teatral Álvaro Peres, de quem logo ficou viúva. Trabalhou nas companhias de Cristiano de Souza e Dias Braga, tornando-se rapidamente uma estrela. Tornou-se uma promissora empresária teatral no século 20. Primeiro montou a Companhia Lucília Peres. Depois, aliou-se ao astro Leopoldo Fróes, e, juntos, abriram uma grandiosa empresa teatral. O grande Arthur Azevedo, encantado com sua versatilidade de atriz, escreveu para ela a peça "O dote e fonte da castália". Durante anos, Lucília foi a primeira atriz de sua companhia. No Rio, ela ocupava os principais teatros da época (Ápolo, João Caetano, Trianon) com espetáculos variados que emendavam um no outro. Às vezes, com uma semana em cartaz.  Às vezes, com uma semana em cartaz.  Lucília, que morreu em 1962, estava no elenco da peça Loucuras do imperador (1958), na qual estreava Fernanda Montenegro. Na estreia, após a sessão, ela fez um discurso comovido sobre a atuação daquela moça, anunciando que nascia ali uma grande atriz. O espetáculo tinha o Ponto e Fernanda ficou atrapalhada, ela já vinha de um teatro amador moderno. Mas Lucília precisa do Ponto e foi uma loucura. O público gritava ao final do espetáculo. Ave, Lucília Peres.   



Por Cafu

Essa grande dama do teatro brasileiro nasceu em Lorena-SP, sendo seus pais o ator Gil Ribeiro e a atriz Olimpia Montani. Foi casada com o dramaturgo e teatrólogo Álvaro Peres.

Artur Azevedo escreveu para ela representar A Fonte Castalia e O Dote.

A Fonte Castalia é uma comédia desenvolvida de um quadro da sua revista Viagem ao Parnaso e estreou no Teatro Recreio a 7 de julho de 1904. No elenco constavam: Lucília Peres, Ferreira de Souza, Olimpio Nogueira, Alfredo Silva, João Barbosa, Delorme, Marzullo, Bragança, Helena Cavalier, Pepa Delgado.

De acordo com Lafayette Silva, em seu livro História do Teatro Brasileiro, a peça conta “a história de um rapaz, Gilberto, pretendente à mão de Laura, filha de um burguês que tinha preocupação de ser poeta e adorava os favoritos das musas. O pai da menina exige que o pedido de noivado lhe seja feito em verso. Condição sine qua non... Gilberto embaraça-se, desanima, mas Vênus providencialmente apresenta-se em seu auxílio e conduz o rapaz enamorado ao monte Parnaso, onde ele, sofregamente, bebe a água milagrosa da fonte Castalia e ganha o dom da poesia. Graças a isso, não só consegue Gilberto a mão de Laura, como transmite o dom da poesia ao sogro, para quem trouxe uma garrafa do precioso líquido.”

O Dote estreou em 2 de abril de 1907, também no Teatro Recreio. A idéia nasceu de uma crônica, Reflexões de um Marido, de Julia Lopes de Almeida, publicada em dezembro do ano anterior no O País.

Lucília Peres também foi a atriz principal da Companhia Dramática, fundada por Artur Azevedo, e que ocupou, em agosto de 1908, o Teatro João Caetano, no recinto da Exposição Nacional, na Praia Vermelha. A companhia estreou, em récita de gala, com a peça O Quebranto, comédia em três atos de Coelho Neto. O elenco era composto por alguns dos melhores nomes do drama e da comédia da época. Os atores: Ferreira de Souza, Alfredo Silva, Francisco Marzullo, Antônio Ramos, João de Deus, Cândido Nazareth e Tavares. As atrizes: Lucília Peres, Cinira Apolônio, Gabriela Montani, Luiza de Oliveira, Natalina Serra, Estefânia Louro e Julieta Pinto. O diretor, seu marido, Álvaro Peres.

Por três meses seguidos foram levados à cena, para os visitantes da Exposição, os seguintes originais brasileiros: O Quebranto, Coelho Neto; Sonata ao Luar, Goulart de Andrade; A Herança, Júlia Lopes de Almeida; As Doutoras, França Júnior; O Noviço, Martins Pena; Romançe de uma Moça Rica, Pinheiro Guimarães; O Defunto, Felinto de Almeida; Não Consultes Médico, Machado de Assis; Os Irmãos das Almas, Martins Pena; Vida e Morte, a última peça de Artur de Azevedo; Duelo no Leme, José Piza; O Dote, Artur de Azevedo; A Nuvem, Coelho Neto; Eterno Romance, lever de rideau, Agenor de Carvoliva; Carta Anônima, Figueiredo Coimbra; e Desencanto, Carmem Dolores.

Segundo Mario Nunes, “Algumas dessas peças foram levadas à cena mais de uma vez. O teatro era ocupado por outras companhias itinerantes, nele se realizavam concertos e conferências; a falta de continuidade dos espetáculos da companhia influía prejudicialmente na freqüência do público; e bem assim, as outras diversões no recinto da Exposição.
Artisticamente porém, o êxito foi satisfatório. Trabalhava ainda ali a companhia quando Artur faleceu; adotou ela então, como justa homenagem, o nome do ilustre homem de teatro, realizando, depois, espetáculos no Carlos Gomes, dissolvendo-se em seguida.”

Ao que tudo indica, o elenco tentou, por mais uns meses, resistir à dissolução da companhia. Saiu em turnê pelos estados do Norte e Nordeste e se apresentou em São Paulo, em março de 1909, conforme registro de O Estado, citado por Sábato Magali e Maria Thereza Vargas no livro Cem Anos de Teatro em São Paulo: “Apesar da crise por que está passando o teatro nacional, os artistas constituíram-se em empresa, de que todos são societários, e empreenderam a louvável tarefa de representar de preferência peças nacionais e uma ou outra estrangeira” (24/03/1909).

Em 1911, nasceu a Companhia Lucília Peres, que encenou várias peças no Teatro Apolo, levando a série, acrescida de outras, ao Teatro Carlos Gomes. Lucília foi, ainda, a primeira figura da temporada do Municipal de 1912 e da Companhia Cristiano de Souza, no São Pedro, quando saiu Maria Falcão. Trabalhou com Leopoldo Fróes no Pathé, e com Alexandre Azevedo no Trianon. Ao lado de Dias Braga teve grande destaque no Recreio. Com Leopoldo Froés chegou a fundar a Companhia Lucília Peres - Leopoldo Froés, criada em 1915 e desfeita em outubro de 1916.

Sua carreira prosseguiu por muito tempo pelos palcos brasileiros ao lado de colegas famosos e em companhias renomadas. Uma grande artista que merece o reconhecimento da posteridade, aplausos calorosos e justas homenagens.


Foto:
Levi, Clovis - História Visual - Teatro Brasileiro, um panorama do século XX. FUNARTE; Rio de Janeiro e Atração Produções Ilimitadas; São Paulo, 1997.

Nunes, Mario - 40 Anos de Teatro - 1º Volume . Departamento de Imprensa Nacional; Rio de Janeiro, 1956.

Silva, Lafayette - História do Teatro Brasileiro. Serviço Gráfico do Ministério da Educação e Saúde. Rio de Janeiro, 1938.

sábado, 17 de novembro de 2012

Grandes Atrizes que o Brasil Esqueceu/Ismênia dos Santos


Atrizes que o Brasil esqueceu - Ismênia dos Santos: nasceu na Bahia em 21 de novembro de 1840 Estreou como amadora em terras baianas. Em 1865, migrou para o Rio, com o marido, também ator, Augusto dos Santos. Trabalhou sob a direção do grandioso Furtado Coelho, na comédia "Não é com essas", de 3 atos. Foi um acontecimento nos palcos naquele ano de 1865. Depois, tornou-se empresária teatral (Grande Companhia de Teatro de Variedades), comandando grandes sucessos do fim do sécu
lo 19 começo do 20, como "O Barbeiro de Servilha", "Helena" e "Mariquinhas". No palco, chamava a atenção a interpretação de gestos largos, que atraía um séquito de fãs. Era uma mulher ligada ao seu tempo. Recitou poemas abolicionistas no glorioso Theatro Santa Isabe,l em Recife, e foi ovacionada na cidade. Assim como, colhia notícias dos acontecimentos teatrais em Paris do século 19 para montar textos inéditos no Rio. As cidades que recebiam a sua companhia eram tidas como prestigiadas. Ave, Ismênia dos Santos!


"Em 1881, encorajada pelas notícias que vinham da França, a respeito do enorme sucesso das adaptações teatrais dos romances L’assommoir e Nana, a atriz e empresária Ismênia dos Santos resolveu encená-las no Rio de Janeiro. Com direção artística do ator e ensaiador Guilherme da Siveira, ambas tiveram praticamente o mesmo número de representações atingido por Thérèse Raquin, entre doze e quinze, o que significa para a época uma acolhida não desprezível. Além disso, foram amplamente discutidas na imprensa (...) (A Recepção de Zola e do Naturalismo nos Palcos Brasileiros João Roberto FariaTexto disponível em www.iea.usp.br/artigos)" O poema Ave libertas, obteve uma estréia promissora na época era engajado na causa abolicionista, e mereceu apoio da atriz Ismênia dos Santos que o recitou, em 1887, no Theatro Santa Isabel, no Recife e obteve grande consagração do público. Por tal desempenho Ismenia foi homenageada por Amando Goulart, proprietário do Centro dos Fumantes, uma tradicional fabrica de cigarros de Pernambuco. Uma grande homenagem segundo o modismo da época.
Na gravura acima observamos a litrogravura de Ismenia em um rótulo de cigarros, pertencente a Coleção Brito Alves, propriedade da Fundação Joaquim Nabuco, Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais.

Fonte:
O Teatro no Brasil, de J. Galante de Souza

Petrópolis do século 20

Na gravura acima observamos a litrogravura de Ismenia em um rótulo de cigarros, pertencente a Coleção Brito Alves, propriedade da Fundação Joaquim Nabuco, Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais.

sábado, 1 de setembro de 2012

A guerreira Glauce Rocha



Ela foi uma das mais importantes atrizes brasileiras, mas, desde criança, sonhava em ser médica.
A vida, no entanto, a levou por caminhos bem diferentes.
Glauce Rocha se tornou atriz numa época politicamente difícil do Brasil, em plena ditadura Getúlio Vargas, quando as atrizes eram consideradas, oficialmente, prostitutas e recebiam, dos órgãos do governo, a mesma “carteirinha” de identificação.
Glauce foi uma das primeiras atrizes a lutar pelo reconhecimento da sua profissão.
Glauce Elddé Araújo Rocha nasceu em 16 de agosto de 1930, na cidade de Campo Grande, filha de Leopoldino de Araújo Rocha, migrante alogoano e soldado do exército, e de Edelweiss Ilgenfritz Rocha, gaúcha criada em Campo Grande; era a caçula de quatro irmãos.
O pai de Glauce morreu assassinado quando ela tinha apenas 5 anos de idade. Mas por toda a vida ela pode se lembrar, com detalhes, desse acontecimento.
Glauce era estudiosa e sempre se saiu bem na escola. Adolescente, foi mandada para Minas, num internato católico, dirigido por freiras. Com 17 anos voltou para Campo Grande para continuar seus estudos.
Com 19, foi morar com os avós, em Porto Alegre, para se preparar para o concorrido vestibular de Medicina. Lá, foi colega de classe do futuro ator Walmor Chagas. Depois, foi para o Rio para fazer o exame para a faculdade. Não passou. Morava num pensionato e aceitou o convite de uma amiga para ir a um curso de línguas. No mesmo prédio, funcionava o Curso Prévio de Teatro.
De repente, Glauce abandonou o cursinho pré vestibular, esqueceu a Medicina e se apaixonou pela arte de interpretar. Matriculou-se no Conservatório Nacional de Teatro.
Começou a carreira em 1950, fazendo peças infantis.
Em 1952, estava na Companhia Alda Garrido e, ainda nesse ano, alcançou sucesso de crítica e de público.
Foi para a TV e para o cinema.
E se tornou conhecida, no meio artístico, pela incrível capacidade de trabalho. O dia inteiro na TV, à noite no teatro e ainda conseguia tempo para fazer cinema, lutar politicamente pela regulamentação da carreira de ator e contra a censura (que tanto na ditadura de Getúlio quanto na ditadura militar campeava solta nos meios de comunicação do país).
Acontece que para fazer tudo isso, Glauce tomava remédios para dormir e remédios para acordar. Fumava muitíssimo. Abusava da saúde.
Também não era feliz no amor. Casou-se com o ator Milton Costa em 1952 e logo se separou dela. Teve vários companheiros e nenhuma relação ia para a frente. Seu último companheiro foi o médico psiquiatra Joaquim da Silva Nunes.
Muito presente no Cinema Novo, Glauce teve vários problemas com a censura. Participou de clássicos como Rio 40º, de Nelson Pereira dos Santos, em 1955 e Terra em Transe, de Glauber Rocha, em 1967.
Em 1970, sua mãe morreu de infarte.
E Glauce que, como a mãe, era uma fumante inveterada, começou a colecionar artigos sobre as doenças do coração. Seus camarins viviam cheios de cinzeiros e de caixinhas de remédios. E ela continuava trabalhando demais.
Estava fazendo a novela da TV Tupi, o Hospital, quando, em 12 de outubro de 1971, um ano depois da morte de sua mãe, o infarte a pegou. Morreu na Unidade Cardiológica da Alameda Santos, em São Paulo, às cinco da tarde. Tinha apenas 41 anos, era famosa, mas pobre.
 Filmes de Glauce Rocha:
1972 - Cassy Jones, o magnífico sedutor
1971 - Um homem sem importância
1970 - O dia marcado
1969 - Incrível, fantástico, extraordinário
1969 - Tempo de violência
1968 - Na mira do assassino
1968 - Jardim de guerra
1966 - A derrota
1965 - O beijo
1963 - Marafa (inacabado)
1962 - Quatro mulheres para um herói
1962 - Sol sobre a lama
1962 - Os cafajestes
1961 - Mulheres e milhões
1959 - Helena (inacabado)
1959 - Um caso de polícia
1958 - Traficantes do crime
1957 - O noivo da girafa
1955 - Rio, 40 graus
1954 - Rua sem sol
1952 - Aventura no Rio
1952 - Com o diabo no corpo
1950 - Aviso aos navegantes

O ataque ao Roda Viva


Mesa Redonda "Roda Viva" discute a censura, o AI-5 e as críticas à peça

Na terça-feira (14/10), às 14 horas se deu a primeira sessão de debates do Seminário 1968: Liberdade e Repressão. Nela se pôde ver a diversidade de opiniões sobre o acirramento da censura e da ditadura militar, tendo como pano de fundo a invasão dos camarins e a agressão dos atores da peça Roda Vivapelo Comando de Caça aos Comunistas (CCC) e o decreto do Ato Institucional 5 alguns meses depois.

Da esquerda para a direita: Valmir Santos, Prof. Dr. Sérgio Carvalho e a Profª Drª Maria Cristina Castilho Costa.

A mesa foi coordenada pela Profª. Drª. Maria Cristina Castilho Costa, que, já de início clamou à diversidade de 1968 para apresentar os presentes à mesa de debates: César Vieira, autor teatral e diretor do Teatro União Olho Vivo, Profª. Drª. Maria Arminda do Nascimento Arruda, Professora Titular do Departamento de Sociologia da FFLCH- USP, Prof. Dr. Sérgio de Carvalho, do Departamento de Artes Cênicas (CAC) da ECA-USP, Valmir Santos, jornalista e mestrando do CAC – ECA/USP, e Sérgio Salvia Coelho, diretor do Teatro da Lucidez e crítico de teatro do jornal Folha de S. Paulo.

César Vieira: a censura há 40 anos, e a censura hoje

César Vieira durante sua apresentação no debate da Sessão "Roda Viva"
César Vieira, homem do teatro, autor, e diretor de inúmeras peças, foi o primeiro a falar, e, deixou bem claro em sua fala, que a censura ainda existe, porém sob outras máscaras. A história de resistência de Vieira à Ditadura é duplamente importante: além de ser autor de peças, César foi um "advogado de presos políticos"( sob o nome, o seu verdadeiro, Idibal Almeida Piveta) responsável pela liberação de nomes como Augusto Boal e Luís Inácio Lula da Silva.
César explicou, passo a passo, como ocorria o processo de censura de uma peça do ponto de vista de um autor. Afirmou que os censores do Serviço Nacional de Censura tinham o objetivo de "defender a moral, os bons costumes e a ordem estabelecidas", dessa forma a censura era feita mais de maneira subjetiva, já que cabia a cada censor saber o que ia contra a moral, os bons costumes e a ordem estabelecida,o próprio César questionou "o que quer dizer isso tudo? Ninguém sabe".
Além daquela estabelecida, César apontou para um outro tipo de censura que surgiu na época: a auto-censura, que fazia com que o autor da peça pensasse duas vezes cada vez que colocasse na sua obra algum termo que pudesse dar discussão entre os censores. Essa auto-castração também atingia atores e produtores de teatro. Alguns autores, como Plinio Marcos conseguiam confrontá-la, segundo Vieira.
O diretor afirmou que hoje não existe a censura institucional, mas existe uma "censura econômica". Ele a classificou como "mais violenta, mais terrível e mais massacrante" que àquela dos anos 60, pois submete o teatro às leis de mercado. César apontou para o fato de apenas a cidade de São Paulo ter uma lei, no mínimo, satisfatória com relação ao financiamento de apresentações teatrais: a lei do fomento.
Vieira criticou a vigoração da lei Rouanet, que permite a apresentação de peças como Miss Saigon e O Fantasma da Ópera, peças que já vem montadas, e pasteurizadas, na visão do diretor. César ainda criticou o preço delas, "mais de meio salário mínimo" e apontou que as empresas financiadoras já receberão o dinheiro investido na peça, pela lei supracitada, por isso, não precisariam cobrar um preço tão alto nos ingressos.
César ainda rememorou os acontecimentos da época como, por exemplo, a repressão ao Congresso da UNE, em Ibiuna, que ocorreu em outubro de 1968. Contou que foi chamado para defender muitos estudantes que estavam presentes nesse congresso. César afirmou que 1968 foi o "golpe dentro do golpe": a ditadura se cristalizou.
"Toda a ditadura que se instala, desde os gregos até hoje, o primeiro inimigo, por 1001 motivos que eles encontram, que atacam e tentam destruir é o teatro", disse Vieira, que tentou explicar o porquê desse ato: "Talvez seja porque o teatro é direto (...) é um personagem falando a sua realidade, olho no olho, transmitindo alguma coisa, dizendo alguma coisa, questionando coisas e colocando opções."
Como não podia faltar, César contou um fato engraçado ocorrido durante a censura de uma de suas peças, o monólogo "Whisky para o rei Saul", quando o censor mandou "cortar" a palavra testículos da peça. O que gerou uma notícia com os seguintes dizeres : "peça em que rei Saul foi castrado por um censor".
Por fim, vieira afirmou que a luta continua hoje em dia, mesmo com um "inimigo velado". E que, o teatro é "um ato de amor, e, mais do que tudo, vai ser sempre um ato de rebeldia".

Profª Drª Maria Arminda do Nascimento Arruda : a conjuntura que levou à 1968

Professora Maria Arminda Arruda: em países periféricos: "Há uma atmosfera libertária em 68"
A Profª Drª Maria Arminda do Nascimento Arruda classificou os acontecimentos de 1968 como um "grande evento histórico", e os comparou à 1848, o ano em que surgiram o feminismo, a idéia do povo como trabalhadores socialistas e a figura de Baudelaire. Assim, baseada na história, a professora começou a expor a parte que lhe competia da mesa redonda.
Maria Arminda procurou mostrar que, apesar de terem acontecido no mesmo ano, e sob uma atmosfera parecida, uma "atmosfera libertária" , os acontecimentos na França e no Brasil tiveram motivações e trejeitos diferentes. Enquanto no primeiro país a participação dos estudantes era massiva, no outro houve uma grande participação de trabalhadores. O enfrentamento dos problemas do Brasil eram mais visados que "as questões diretamente comportamentais", como foi no caso do movimento de 68 nos EUA.
Uma chave fundamental para se entender a conjuntura política, social e cultural de 68 no Brasil é, logicamente, o golpe militar de 1964. E toda a atmosfera que rondou o golpe foi inaugurada nos anos 50, principalmente do ponto de vista cultural. A professora apontou para o "novo período modernista" por qual o teatro passou após a criação do TBC, em 1948; citou ainda o trabalho de dois autores da época, Nelson Rodrigues e Jorge Andrade. Segundo ela, "o teatro é um gênero adequado às expressões políticas e sociais".
O conflito pelo qual o teatro passou em 64 é anterior a este período. A professora afirmou que "a datação das diferentes esferas da cultura é diferente da datação da política, embora tenham confluências"; ou seja, as tensões entre a visão de teatro já existiam, mesmo antes de 64. E permaneceram depois do golpe, o que culminou numa das épocas mais criativas do teatro brasileiro.
Maria Arminda afirmou que o AI-5 é parte de uma cultura em ebulição. O congresso da UNE, segundo a professora, foi o estopim, mas houve diferentes formas de repressão à cultura até então. Ainda sobre a cultura, Arminda provou que a frase de Robert Schwartz sobre o Brasil entre 64 e 69 "Parece que o Brasil ficou mais inteligente" não era um paradoxo, não do ponto de vista cultural. "Esse período inteligente não pode ser entendido sem a referência ao projeto moderno anterior, que não suprimiu todas as virtualidades contidas nas suas promessas em função das tensões internas da cultura"., tais tensões, segundo a professora, provém da precariedade do moderno em um país tão desiquilibrado quanto o Brasil, que de um lado oferece uma cultura viva e densa, e de outro mostra um "déficit democrático e político".
A professora terminou sua exposição, lendo um parágrafo que versava sobre o pós-64 e o pós-68, no contexto da modernidade, e da escolha que a cultura moderna capitalista teve que fazer entre o recuo ou o aprofundamento da dominação da indústria cultural. E terminou afirmando : "Voltar nesse tema [de 1968] é, sobretudo, pensar os nossos empasses".
Prof. Dr. Sérgio de Carvalho: análise de "Roda Viva"

Professor Sérgio Carvalho demonstrou as críticas presentes no texto de Chico Buarque

O Prof. Dr.Sérgio Carvalho usou seu tempo no debate para aprofundar as visões de Roda Viva como texto teatral e como obra musical. Isso porque segundo o professor, a agressão que "ela" sofreu e a encenação agressiva que Zé Celso criou para a peça, acabam por abafar as discussões sobre a obra em si (ler mais sobre a peça no último tópico dessa postagem : Contexto e a temática do debate).
Sérgio, primeiramente, apontou para o uso oblíquo que Zé Celso fez do coro da peça. Zé Celso transformou o coro num coro agressivo, contra-cultural, quase antropofágico, nas palavras do professor: "[Zé Celso]deslocou a função dramaturgica que ele [o coro] tem". Na encenação da peça o coro andava por entre as fileiras e interagia, às vezes de forma irônica, Às vezes de forma violenta, com a platéia. Já no texto, o coro traz uma "polifonia de vozes estranhas" ao discurso da peça. O professor apontou que o coro construído por Buarque ia desde um coro ultra-conservador, até um contra-ponto lúcido do processo que está em curso.
A peça conta a história de Benedito da Silva, um cantor que foi convertdido para ser um cantor de massa, se transformando em Ben Silver. Assim, o cantor passa a fazer parte, efetivamente, da Indústria Cultural, ele se torna "uma mercadoria. No primeiro ato, Ben Silver, com ajuda de um anjo, que faz as vezes de produtor, e de um capeta, que faz as vezes da mídia, consegue atingir o sucesso, mas é confrontado por seus amigos e por sua namorada que se recusam a observar tal mudança de homem para função. Benedito da Silva era um homem, Ben Silver é uma mercadoria, assim explicou Sérgio Carvalho.
No segundo ato, Ben Silver enxerga-se derrotado, e começa a perceber quais são as engrenagens daquilo que participa. Para não deixá-lo sem sucesso algum, o anjo tem uma idéia: transformá-lo em "Benedito Lampião", um cantor nacional popular, brasileiro de raiz pura. De qualquer forma, o sucesso já não era mais garantido, e Ben Silver, ou Benedito Lampião, não agrada ao capeta, nem aos fãs que, literalmente, o matam. Na verdade, a peça mostra que ele foi trocado, e não morto. Foi trocado por sua esposa, Juliana, que se transformou numa cantora "hippie".
O professor apontou para a semelhança entre a estrutura da peça, com a estrutura do teatro religioso alegórico da Idade Média, em que também se existiam um anjo, um capeta e um herói que se via em perigo, e era salvo porque seguia os conselhos do anjo. Apeça, segundo Sérgio, se vale de muitos recursos alegóricos e paródicos, alguns deles conhecidos como a sátira e a marchinha.
Por ser músico, Chico Buarque criou um segundo nível de ironização e de desvio do discurso textual na harmonização e nos aspectos melódicos das músicas da peça."No estilo musical e melódico de Roda Viva se tem a chave para entender o teatro de Chico Buarque ", disse Sérgio Carvalho um pouco antes de explicar como o uso da música que deu nome à peça conseguiu unir todos esses aspectos.
De acordo com o professor,"Roda Viva estabelece uma imagem sistêmica da indústria cultural" quando mostra um cantor passando por dois processos mercantis, ou seja, processo em que a pessoa se transforma numa mercadoria. A peça, dessa maneira, se mostrou um retratro contundente do espaço cultural brasileiro, e daquilo que se imaginava ser a cultura massificada do país.
Sérgio terminou sua apresentação, lendo uma parte do livro "Verdade Tropical", escrito por Caetano Veloso, em que o cantor critica a posição de Chico Buarque, e a classifica como "ingênua, e de puro "bom-mocismo".
Valmir Santos: o Teatro de Agressão hoje em dia


Valmir Santos (primeiro da esq. p/ a dir.) tentou mostrar como o Roda Viva seria visto hoje em dia
O jornalista Valmir Santos se valeu de dois exemplos atuais para explicitar a visão que as pessoas tiveram da encenação de Roda Viva em 1968. Mas, para isso, precisou colocar em perspectiva o conceito de "teatro de agressão", usado por Anatol Rosenfeld em sua crítica à peça.
Zé Celso criou uma passarela entre o palco e a platéia, por onde os atores do coro passavam, e assim, interagiam com a platéia. Essa interação, era, porém, agressiva. O que fez com que Rosenfeld usasse tal designação para a peça. Rosenfeld achou que a encenação de Roda Viva se encerrava em si mesma, não criava nennhum conflito externo, por isso, a sua agressividade apenas deixava o público anestesiado.
Para mostrar as duas facetas do Teatro de Agressão, Valmir se valeu de dois exemplos: um em que a proposta era feita de maneira a levar a platéia a um questionamento; e outra em que a agressividade era apenas um recurso para deixar a platéia mesmerizada e anestesiada.
O primeiro é o Trabalho do grupo Teatro da Vertigem, na peçaApocalipse 1,11 (foto a dir.), encenada em 2000 no antigo Presídio do Hipódramo, em São Paulo; há no título d apeça uma alusão ao massacre do Carandiru em 1992, em que 11 presidiários morreram. O jornalista esmiuçou a cena da boate Nova Jerusalém, que é um espaço em que se flagram muitas personagens e temas: "um apresentador que é uma besta travestida, interafindo com uma personagem da Babilônia, uma mulher prostituida, uma cena de ligação ao negro, uma cena de sexo explícito por um casal profissional, outra cena em que há um pastor evangélico bem alterado na sua posição de arrebanhar seus seguidores fiéis". Partes da Constituição Brasileira são lidas por uma mulher gaga. Valmir arremata :"a cena é interrompida, é desmontada, por um ataque dos anjos revoltosos que chegam (...) empurrando os atores que estão ali como personagens e o próprio público, empurrando-o para a parede".
Essa peça, segundo o jornalista, produz um choque cultural. É um "teatro de agressão em que a afirmação simbólica da teatralidade está imposta, colocada, e, de alguma forma, está trans-criando e trans-cruzando o ator e o público", afirmou Valmir.
O segundo exemplo é de como esse tipo de teatro foi "re-embalado, refeito e apresentado de uma forma mais agradável". É o caso do espetáculo Fuerza Bruta (foto à esq.), do grupo de teatro Argentino, . O jornalista disse que o espetáculo é "bastante radical na interação com o público, na ocupação do espaço aéreo", mas que o discurso apropriado pela publicidade para vender o espetáculo se vale do anestesiamento de forma "sem vergonha". Segundo Valmir, quando um espetáculo desse tem um ingresso de 120 a 150 reais, e se tem um público tão delimitado, dá para se entender o que que Anatol Rosenfeld quis dizer com o anestesiamento causado pelo Teatro de Agressão.
Valmir terminou sua explicação com um questionamento, tirado da música Roda Viva : "A gente estancou de repente, ou foi o mundo então que cresceu?"

Sérgio Salvia Coelho: a provocação e o contraponto da barbárie

Sérgio Coelho (de vermelho) questionou a devolução dos prêmios Saci pela classe teatral em 1968
O crítico teatral e diretor do Teatro da Lucidez, Sérgio Coelho, pretendeu em sua fala mostrar os ângulos diferentes sobre os acontecimentos que abalaram a classe teatral no ano de 1968. Além de apresentar a opinião de Anatol Rosenfeld, provou, usando palavras de Zé Celso, que o ataque ao Roda Viva não fizeram dos formadores do espetáculo, vítimas; e ainda leu a nota do Estado de S. Paulo que deu tanta polêmica entre a classe artística nesse ano.
Sérgio tentou fazer uma linha dos acontecimentos desde 18 de julho, até 13 de dezembro de 68. Ou seja, desde o ataque ao Roda Viva até a instituição do AI-5. Mesmo assim, o crítico passou por uma data antes dessas duas previstas: 11 de junho. Nesse dia, o jornal Estado de S. Paulo publicou uma nota que comentava sobre a manifestação do deputado Aurélio Campos, segue abaixo, o trecho que Coelho leu:
"(...) Foi uma oportuna manifestação a que se registrou recentemente na Assembléia Legislativa, pela palavra do deputado Aurélio Campos, sobre os excessos que se tem verificado em representações teatrais no terreno do desrespeito aos mais comezinhos preceitos morais. O mundo teatral ? tanto os atores e atrizes como os autores ? vêm movendo uma campanha sistemática contra a censura, e como esta nem sempre é exercida por autoridades à altura de tão graves e, às vezes, tão delicadas questões, a tendência de muitos é cerrar fileiras entre os que combatem. O que na censura geralmente se vê é uma ameaça à liberdade, o que assume a feição particularmente antipática quanto à liberdade ameaçada é a artística. Carradas de razão, entretanto, teve o parlamentar acima referido ao assinalar, a propósito de peça teatral a cuja representação assistira, que a censura, longe de se mostrar rigorosa no escoimá-la de seus exageros mais escandalosos, o que revelou foi uma complacência que não pode deixar de ser severamente criticada.(...)"
Tal nota provocou uma reação agressiva da classe teatral, que se viu atacada pelo fato de o jornal não ter colocado tla nota na sessão de opinião. Por não se tratar de uma matéria assinada, o crítico afirma que, pareceu aos artistas que a noticia informada era uma opinião do jornal inteiro.
Assim, os artistas não pensaram duas vezes antes de devolver os prêmios Saci, que o Estado distribuia todo final de ano, desde 1951. Tal ação provou outra reação inesperada: Décio de Almeida Prado parou de escrever críticas teatrais no jornal.
Sérgio argumentou que uma parcela da população se via agredida com a nota, e que outra parcela, se via agredida com o uso de palavrões nas peças. A simbologia do prêmio, para aqueles que devolveram era outra, não significava mais apenas o repúdio à nota favorável à censura; significava uma recusa a se colocar no jogo mercanti, representado pela burguesia que entregava tal prêmio, no olhar dos artistas.
O crítico teatral passou a citar, então, outro: Anatol Rosenfeld, em suas críticas sobre o Roda Viva. O termo Teatro de Agressão foi usado primeiramente pelo próprio Zé Celso, em uma entrevista dada um pouco antes da peça sair em cartaz. O diretor afirmou nessa mesma entrevista que a agressão tinha que ir além do sibólico, tinha que romper o padrão de bom comportamento e bom gosto; "tinha que agredir fisicamente a platéia".Rosenfeld ironiza tal postura do Zé Celso ao questionar a eficiência dessa prática de agressão direta ao público para a causa comum da intelectualidade e dos artistas.
Anatol ainda ironizou ao dizer que em Roda Viva "o público burguês não é atacado e nem ferido", já que este é aquele que pode pagar pelo ingresso. Ele ainda afirma que essa pela reafirma os atos burgueses. O público da peça era o mesmo que era criticado nela: "as meninas que iam ver uma peça de Chico Buarque", que permitiam a existência de ídolos e da idolatria. Dessa forma,na opinião de Rosenfeld, Zé Celso usou a tal estratégia de agressão para conquistar a platéia. Anatol acreditava que o teatro de agressão cumpre bem o seu papel quando aquelas pessoas que não se sentem tocadas pela peça, levantam e saem do espetáculo.
Sérgio ainda leu alguns depoimentos de Zé Celso sobre o uso da agressão nas suas montagens. Sérgio afirma que Zé Celso queria fazer uso da violência como "um princípio supremo " no lugar de apenas um elemento estético. O diretor afirmava que uma peça, para continuar chocante, tinha que extravasar do uso de palavrões e gestos, e passar para as "vias de fato".
A declaração mais polêmica lida por Sérgio, feita por Zé Celso, pouco tempo antes da invasão do Roda Viva, foi essa: "A companhia tem que nutrir duas esperanças contraditórias: primeira, por razões de eficácia e orgulho profissional, a de que um público vigorosamente provocado responda com vigor; segundo, por razões financeiras, é de que haja um númerro bem maior de espectadores que atores de modo que estes apanhem violentamente". Então, Sérgio arrematou "se o CCC tivesse levantado durante a peça e começado a espancar os autores, teria sido o público ideal de Zé Celso", ou seja, ó público que reage apaixonadamente ao tema da peça.
O crítico terminou sua apresentação afirmando que 68 foi o ano em que o teatro perdeu a crítica, e que parou de existir um dialogo entre artistas e pensadores, e passou a existir apenas um "messias que indica para platéia o que é certo e o que é errado. E esse foi um risco muito grande a se pagar", completou Sérgio.

Contexto e temática do debate:

A peça (e musical) Roda Viva (foto à esquerda), de autoria de Chico Buarque de Holanda, foi encenada durante o ano de 1968. Sob a direção de José Celso Côrrea, o mesmo diretor de O Rei da Vela, e com os atores do Teatro Oficina, a peça se mostrou agressiva e manteve o tom das montagens anárquicas de Zé Celso. O enredo mostra a trajetória de Benedito Silveira, um cantor que se tornou ídolo da música pop sob o nome Ben Silver, desde a sua ascensão até seu aniquilamento pelas mesmas engrenagens do showbiz que o tinham fabricado.

Em 18 de Julho de 1968, logo após a apresentação da peça, o galpão do Teatro Ruth Escobar (SP) "(...)foi invadido por cerca de vinte elementos armados de cassetetes, soco-inglês sob as luvas, que espancaram os artistas, sobretudo as atrizes, depredaram todo o teatro, desde bancos, refletores, instrumentos e equipamentos eletricos até os camarins, onde as atrizes foram violentamente agredidas e seviciadas(...)" (Trecho retirado da notícia "Invadido e depredado o Teatro Galpão" publicado no jornal Folha de S. Paulo, um dia depois do ocorrido).

No contexto político, o Brasil vivia a ditadura militar, instalada no ano de 1964. No final de 1968, mais precisamente, no dia 13 de dezembro deste ano, o presidente Costa e Silva baixou o Ato Institucional Nº 5 (ou, simplesmente, AI-5) que endureceu a ditadura militar, e estipulou o fim da liberdade de expressão do período. O Ato, entre outras ações, fechou o Congresso Nacional, suspendeu a possibilidade de qualquer reunião de cunho político e reestabeleceu a censura prévia de peças, músicas, filmes e novelas.

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

O sorriso de Ida Gomes

O sorriso de Ida Gomes






















Sérgio Maggio

Nunca esqueço de uma imagem de atriz. Após o termino do espetáculo 7, de Charles Möeller e Claudio Botelho, no Teatro Carlos Gomes, uma parte do público foi para a saída lateral esperar por Ida Gomes, dama dos palcos brasileiros. Era um grupo representativo de fãs, de todas as idades e cores, ainda inebriados pelo espetáculo. Ela saiu, de braços dados a um cavalheiro, e todos a aplaudiram. Ida estampou um sorriso e aquele momento está guardado no relicário de minha memória afetiva.
Acabo de encontrá-la, agora, no Portal Brasil Memória das Artes, da Funarte. Morta em 2009, aos 75 anos, Ida Gomes parece vivíssima no espaço memorial vivo e alentador. É possível ouvi-la. A voz está registrada em todo seu vigor a falar da migração, da fuga dos nazistas, da morte dos parentes nos campos de concentração, do ofício de atriz
Passei 18 minutos com Ida Gomes nesta noite de domingo e confesso que me enchi de felicidade e de esperança ao encontrar este outro Brasil que luta contra o Alzheimer cultural. A memória é um grande pilar para identidade e pertencimento de uma nação. Precisamos ter orgulho cultural para seguir mais fortes nos tempos de agora. Como é importante saber como se deu a construção da memória cultural do país, como é importante colocar essas informações em circulação constante. 
Recentemente, fizemos uma homenagem a Dina Sfat, no projeto Mitos do Teatro Brasileiro, e me deparei com alguns jovens de 18 anos que não sabiam quem era a atriz, que morreu há tão pouco tempo, em 1989. Colocar então esses nomes, não só o físico, mas o nome conceitual, o contexto que ele traz em seu entorno, em movimento é o caminho para produzirmos um país que está além da instantaneidade que marca o século pós-moderno.
 Tenho cada vez mais me preocupado com o zelo à memória, não só a do indíviduo, limitada à minha existência, mas a memória cultural, a que armazena a história subjetiva de todos nós. Uma das piores formas de envelhecer, indivíduo e sociedade, é a possibilidade de perder a memória, de não conseguir mais reconstituir os caminhos. De não trazer à tona, aqui e agora, não só o sorriso de Ida, mas todo o contexto de mulher e de atriz que vem esboçado com ele. 
Vivemos num país que historicamente não costuma colocar as memórias em movimento. Que mal tem cuidado em proteger o patrimônio físico, os vestígios físicos. Não há hábito de transformar os arquivos históricos em espaços vivos do aqui e agora, capazes de iluminar o passado, como o sorriso de Ida que vem à minha mente e me enche com sua presença. Daí, o Portal Brasil Memória das Artes ser um alento.
Na entrevista postada, Ida Gomes, dona de voz marcante, que dublou a maioria dos filmes de Beth Davis, diz que há a gente que faz muita falta. Dias Gomes é um deles. Aproveita e fala do carinho em receber o aplauso do público. 
- Me sinto viva. 
É assim que eu a percebo agora. Viva e sorrindo dentro da minha memória. 




Biografia de Ida Gomes

Atriz foi criadora de personagens marcantes na televisão e no teatro


Biografia de Ida Gomes


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Ita Szafran nasce em Krasnik, na Polônia, em 25 de setembro de 1926. É criada na França, onde chega com sua família um ano depois de seu nascimento. Em Paris, aperfeiçoa a língua materna, o francês, ao estudar os escritores clássicos, como Racine, Corneille e Molière. De família judaica, vem para o Brasil quando se torna eminente o domínio alemão sobre a França. Em 1938, incentivada pela mãe, participa do concurso Em Busca de Talentos, lendo uma poesia no programa de Celso Guimarães, na Rádio Tupi, e conquista a primeira colocação. Cumpre a seguir um período na Rádio Jornal do Brasil, até que Olavo de Barros lhe oferece um contrato na Rádio Tupi. Na Rádio Globo, integra o elenco de radioteatro dirigido por Amaral Gurgel e, em seguida, atua na Rádio Nacional que vive então o auge da sua programação. Em 1948, com uma bolsa de estudos, vai estudar nos Estados Unidos. Em 1951 segue para Londres para um estágio no serviço brasileiro da Rádio BBC, na qual atua em novelas e como locutora.
Já de volta ao Brasil, inicia sua carreira na televisão, entrando para a TV Tupi em 1953. Estreia sob a direção de Chianca de Garcia, protagonizando Electra, de Sófocles, ainda nos estúdios da Avenida Venezuela, com direito a uma desconfortável coluna no meio do estúdio. No elenco, aparecem dois outros importantes atores dos primórdios da TV: Heloisa Helena e Jacy Campos. Torna-se uma das principais atrizes pioneiras da televisão brasileira, sendo escalada para diversos seriados e teleteatros, e chega a figurar em quatro diferentes elencos na mesma semana.
Nessa época, participa simultaneamente do Grande Teatro Tupi, no qual se destaca em A Herdeira, ao lado de Fernanda Montenegro e Sérgio Britto; do Teatro de Comédias, em diversas peças, entre as quais, Catarina da Rússia, ao lado do galã Herval Rossano; do Câmera Um, de Jacy Campos; do Teatro Gebara, dirigido por Fábio Sabag, e do Teatro de Equipe, dirigido por Paulo Porto, quando recebe os maiores elogios por seu desempenho em A Esquina Perigosa, de J.B. Priestley, contracenando com Heloisa Helena, Daniel Filho e Paulo Porto.
O seriado A Canção de Bernadete (1957), de Franz Werfel, com direção de Paulo Porto e estrelado por Aracy Cardoso, dá-lhe grande popularidade ao interpretar a freira má que persegue a protagonista. Paralelo à televisão, faz dublagens e integra o elenco estelar da Cine-Castro, dirigida por Carla Civelli, onde dubla ao lado de Natália Thimberg, Alberto Perez, Cláudio Corrêa e Castro, Ângela Bonatti, José Miziara, Daniel Filho e Cláudio Cavalcanti. Torna-se a voz oficial de Bette Davis em seus principais desempenhos no cinema para as versões na televisão.
Em 1967 entra para a TV Globo e estreia na novela A Rainha Louca, de Glória Magadan. Permanece na emissora até os dias de hoje. Na primeira fase da TV Globo participou de grandes sucessos, como A Gata de Vison (1968/69); A Ponte dos Suspiros (1969); A Última Valsa (1969);Verão Vermelho (1970); O Homem que Deve Morrer (1971); Dona Xepa (1977), dentre outros. EmO Astro (1977), de Janete Clair, destacou-se como a bondosa tia Magda, apaixonada por Salomão Hayala, interpretado por Dionísio de Azevedo. Em 1973 integra a primeira novela em cores, como a impagável Dorotéia Cajazeira de O Bem-amado, de Dias Gomes, dirigida por Régis Cardoso. O sucesso da novela é tão grande que ganha formato de seriado sete anos depois, com Ida e os mesmos protagonistas: Paulo Gracindo, Lima Duarte, Emiliano Queiroz e Dirce Migliaccio. Seu mais recente trabalho na TV foi na minissérie JK, de Maria Adelaide do Amaral, dirigida por Denis Carvalho.
No cinema estreia em Bonitinha Mas Ordinária (1963), dirigida por J.P. Carvalho. Encena O Mundo Alegre de Helô (1967), de Carlos Alberto de Souza Barros; A Penúltima Donzela (1969), de Fernando Amaral, ao lado de Djenane Machado e Adriana Prieto; e O Casal (1975), de Daniel Filho, ao lado de Sonia Braga e José Wilker. Em 1988 filma Primeiro de Abril, Brasil, com a diretora Maria Letícia. Depois de tempos afastada do cinema, retorna em Copacabana (2001), de Carla Camurati, e em O Amigo Invisível (2005), de Maria Letícia.
Sua carreira em teatro começa quando ainda é adolescente, em 1953, no Teatro do Estudante, de Paschoal Carlos Magno. Em 1957 estreia no teatro profissional em O Primo da Califórnia, de Joaquim Manuel de Macedo, direção de Alfredo Souto de Almeida. Com o diretor João Bethencourt, volta aos palcos em 1965 na peça As Feiticeiras de Salém, de Arthur Miller. Em 1971 atua no musical Um Violinista no Telhado, de Joseph Stein, direção de Wilfredo Ferrán. Em 1990 faz No Natal a Gente Vem Te Buscar, de Naum Alves de Souza, direção de João Albano, ao lado de Lucélia Santos. Suas mais recentes atuações nos palcos aconteceram em Bodas de Ouro(2002), de Vicente Maiolino, protagonizando ao lado de Carlos Alberto um casal de idosos; O Avarento (2003), de Molière, direção de João Bethencourt, com Jorge Dória no principal papel; eTio Vânia (2003), de Tchecov, com Diogo Vilela e Débora Bloch, direção de Aderbal Freire-Filho. Em 2006, sob a direção de Leon Góes, participa de Rainha Esther, de André Chevitarese.
Criadora de personagens marcantes na televisão e no teatro, dedica-se integralmente à carreira e ao convívio com os amigos, sendo considerada por todos uma mulher de forte personalidade e de talento comprovado.
Nota da redação: A atriz Ida Gomes morreu no dia 23/02/2009, aos 75 anos, no Rio de Janeiro.