Projeto concebido originalmente para a área de Ideias do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) Brasília, Mitos do Teatro Brasileiro é calcado na memória das artes cênicas nacionais.

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Emiliano Queiroz e Plínio Marcos

Felipe Moraes
O ator Emiliano Queiroz homenageia Plínio Marcos (Breno Fortes/CB/D.A Press)
O ator Emiliano Queiroz homenageia Plínio Marcos

Todos eles, de certa maneira, melhoraram muito a mim como pessoa”, pensa o ator cearense Emiliano Queiroz, que veio ao mundo no primeiro dia do ano de 1938. Em Brasília para participar de Mitos do Teatro Brasileiro — Plínio Marcos, hoje, às 20h, no CCBB, ao lado de Nelson Xavier, Queiroz olha para o passado como quem olha para o futuro: sem arroubos de melancolia, sem murmurações angustiadas, mas com a sensação de quem já fez muito e sente que pode fazer mais.

Precoce, ele é intérprete desde os 14 anos e fez parte da primeira turma do curso de artes dramáticas da Universidade Federal do Ceará. Com experiência no rádio e na tevê, conheceu o teatro revolucionário de Plínio Marcos. E se impressionou com o texto provocador do dramaturgo.

“Ele trabalhava dentro de uma marginalidade dos verdadeiros deserdados da sociedade. Aquela gente considerada desprezível pela sociedade nunca tinha sido abordada”, define Queiroz. Quando imergiu no papel do gay Veludo, de Navalha na carne (1967), o cearense percebeu a força daquela ficção. Ambientada num bordel, a montagem, dirigida por Fauzi Arap, exibia três tipos tratados como “imorais”: a prostituta Neusa Sueli, o cafetão Vado e, por fim, Veludo.

Plínio Marcos: do circo para os palcos do teatro (Ary Brandi/Divulgação)
Plínio Marcos: do circo para os palcos do teatro

A censura emperrou a estreia, depois liberada pelo esforço da atriz Tônia Carrero, integrante do espetáculo. A classificação indicativa: 21 anos, três acima da maioridade penal. Um absurdo que não evitou que a peça rodasse o país e, um par de anos mais tarde, chegasse aos cinemas, com direção de Braz Chediak.

Também incluído no elenco de Dois perdidos numa noite suja, outra obra essencial de Plínio que também conquistou a tela grande, Queiroz orgulha-se de ter participado de um dos momentos mais brilhantes (e combativos) da dramaturgia brasileira, em que “o público jovem ia ao teatro em marcha”. “O texto me permitiu dar uma guinada no meu trabalho. Já tinha feito muita tevê, muito teatro.

Era comum na época se fazer o homossexual em cima da caricatura, do ‘ai, ai, ai’, batendo o pezinho. Fui feliz porque pude colocar os meus sentimentos no personagem. O que estava no meu trabalho e no da Tônia e do Nelson era a alma das pessoas. O texto do Plínio não permitia nenhuma estética imaginada, exigia sinceridade total”, conta.

Tonho, de Dois perdidos, e Veludo precederam um período amargo da produção nacional. Segundo o próprio Queiroz, a estreita liberdade de expressão foi sufocante. Depois de Dr. Getúlio: sua vida e sua obra (1969), de Dias Gomes e Ferreira Gullar, ele considera que só voltou a fazer algo tão contundente em 1978, com A Ópera do Malandro, de Chico Buarque.

No ano seguinte, o ator pôde dirigir o único musical escrito por Plínio, Feira livre. Produzida por Maria Letícia, então esposa de Queiroz, a montagem “era completamente diferente do processo de dramaturgia dele”. “Minha entrada na obra de Plínio Marcos foi um divisor de águas para minha carreira. Gosto de falar sobre como senti na pele a ressonância dos textos dele, como a plateia me devolvia o que eu jogava para ela. Enquanto tiver a lucidez de ter feito esses trabalhos e a minha memória estiver ativa, vou ter profunda admiração e me sentir privilegiado de fazer a obra dele no teatro e no cinema”, constata.

A face da telinha

Queiroz também sempre esteve ligado à tevê. Pioneiro na inauguração da TV Ceará, em 1960, ele passou pela Tupi, Cultura e Paulista, até se firmar como um dos nomes mais relevantes da teledramaturgia na Globo, desde 1965. Em O bem-amado (1973), de Dias Gomes, a primeira novela em cores do país, ele mergulhou na sua persona mais conhecida: Dirceu Borboleta. “Era secretário do prefeito, tinha problemas com a virgindade, era um filhinho da mamãe. Tinha a peça que serviu de escada para a novela. Então, sabia começo, meio e fim, o que é raro”, lembra.

As possibilidades da paleta de cores acrescentaram vivacidade ao personagem. Foi possível, diz Queiroz, dominar a interpretação por meio da cor: percebeu que podia ficar vermelho quando se mostrava nervoso, e aparentar mais timidez à medida que a escrita de Gomes avançava e deixava Dirceu cada vez mais reprimido. “Era tão impactante que você podia tirar partido daquilo dramaticamente”, aponta.

Queiroz e seus quase 200 personagens — e ele tenta enumerar, mas não consegue — revelam um criador que recusa o estrelato. “Quando comecei, meu sonho era sobreviver dessa profissão. E até hoje sobrevivo. Tudo que fiz foi com muita satisfação. Estou com 75 anos. E acho que há 61 teimando nesse ofício”, diverte-se. Na vida longe dos palcos e das câmeras, ele assume um papel inédito: o de bisavô do pequeno Sami, filho de Hugo, seu neto.

MITOS DO TEATRO BRASILEIRO — PLÍNIO MARCOS
Direção de Sérgio Maggio e J. Abreu. Com Emiliano Queiroz, Nelson Xavier, João Paulo Oliveira e J. Abreu. Hoje, às 20h, no Teatro I do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB – SCES Trecho 2, Lote 22). Entrada franca, mediante retirada de senha uma hora antes do evento. Não recomendado para menores de 12 anos. Informações: 3108-7600.

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