BARRELA
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Escrevi em forma de diálogo, em forma de espetáculo de teatro, que era o que eu mais conhecia, mas não me preocupei com os erros de português, nem com as palavras. Imaginei o que se passara no xadrez antes, durante e depois de o garoto entrar, coisas que eu conhecia bem de tanto escutar histórias na boca da malandragem. E dei o nome de Barrela, que é a borra que sobra do sabão de cinzas e que, na época, era a gíria que se usava para curra.”
“Li a peça pra alguns companheiros do circo e naturalmente eles acharam que eu tinha enlouquecido, se pensava que podia encenar uma peça com aquela linguagem. Ficou por isso mesmo.” “Ninguém quis montar e eu levei para a Pagu, que achou meu diálogo tão poderoso quanto o do Nélson Rodrigues. Ela, então, levou Barrela para o Pascoal Carlos Magno, que estava realizando o Festival Nacional de Teatro de Estudante em Santos. Então, ele fez um puta escarcéu, descobriu um gênio, essas coisas.” “... e no final do festival falou para os jornais que fazia questão que os estudantes montassem a peça.”
“Começamos a ensaiar no início do ano de 1959.” “Aí, eu é que fui dirigir, eu que fiz um papel, eu que fiz o cenário, eu que fiz tudo.” [O texto foi enviado para a Censura Federal, que o proibiu. A Patrícia Galvão comunicou-se com o Pascoal Carlos Magno, uma espécie de ministro sem pasta do Governo de Juscelino Kubitschek. Ele, então, enviou um telegrama diretamente do gabinete do presidente dizendo para a polícia reconsiderar a proibição da peça. E o texto foi liberado para uma apresentação, no dia 1º de novembro de 1959, no palco do Centro Português de Santos, ficando depois proibido pela Censura Federal por vinte e um anos.]
“No dia seguinte, a cidade só falava da nossa peça. Eu achava tudo lindo e me badalava como gênio, até que, de tanto me encherem, escrevi outra peça, sem ter absolutamente nada pra dizer.” [A peça era Os Fantoches, ou Chapéu sobre Paralelepípedo para Alguém Chutar, reescrita depois como Jornada de um Imbecil até o Entendimento.] “E foi um vexame tão grande, tão grande, que no dia seguinte a Patrícia Galvão [que escrevia crítica de teatro para o jornal A Tribuna de Santos] botou na Tribuna o meu retratão de gravata borboleta e tudo, com uma manchete assim: Esse analfabeto esperava outro milagre de circo.” “Mas, não me acanhei. Estava selado que eu era um autor teatral e eu jurava pra mim mesmo que nem sucessos, nem fracassos me abateriam.”
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