Projeto concebido originalmente para a área de Ideias do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) Brasília, Mitos do Teatro Brasileiro é calcado na memória das artes cênicas nacionais.

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Barrela nasce proibida

com Paschoal Carlos Magno e estudantes de Santos
BARRELA


“Houve um caso, em Santos, que me chocou profundamente: um garoto foi preso por uma besteira e, na cadeia, foi currado. Quando saiu, dois dias depois, matou quatro dos caras que estavam com ele na cela. Fiquei tão chocado com esse negócio todo que escrevi a Barrela.” “Juro por essa luz que me ilumina que até então nunca havia me ocorrido escrever uma peça, pois eu não conhecia as grandes peças da dramaturgia nacional, nem universal. Conhecia as peças que eram apresentadas no Pavilhão Liberdade: Paixão de Cristo, O Mundo não me Quis, Rancho Fundo, O Ébrio. Mas, o caso do garoto me comoveu tanto, que eu, depois de andar uns tempos atormentado com a história, a despejei no papel.


Escrevi em forma de diálogo, em forma de espetáculo de teatro, que era o que eu mais conhecia, mas não me preocupei com os erros de português, nem com as palavras. Imaginei o que se passara no xadrez antes, durante e depois de o garoto entrar, coisas que eu conhecia bem de tanto escutar histórias na boca da malandragem. E dei o nome de
Barrela, que é a borra que sobra do sabão de cinzas e que, na época, era a gíria que se usava para curra.”
“Li a peça pra alguns companheiros do circo e naturalmente eles acharam que eu tinha enlouquecido, se pensava que podia encenar uma peça com aquela linguagem. Ficou por isso mesmo.” “Ninguém quis montar e eu levei para a Pagu, que achou meu diálogo tão poderoso quanto o do Nélson Rodrigues. Ela, então, levou Barrela para o Pascoal Carlos Magno, que estava realizando o Festival Nacional de Teatro de Estudante em Santos. Então, ele fez um puta escarcéu, descobriu um gênio, essas coisas.” “... e no final do festival falou para os jornais que fazia questão que os estudantes montassem a peça.”
“Começamos a ensaiar no início do ano de 1959.” “Aí, eu é que fui dirigir, eu que fiz um papel, eu que fiz o cenário, eu que fiz tudo.” [O texto foi enviado para a Censura Federal, que o proibiu. A Patrícia Galvão comunicou-se com o Pascoal Carlos Magno, uma espécie de ministro sem pasta do Governo de Juscelino Kubitschek. Ele, então, enviou um telegrama diretamente do gabinete do presidente dizendo para a polícia reconsiderar a proibição da peça. E o texto foi liberado para uma apresentação, no dia 1º de novembro de 1959, no palco do Centro Português de Santos, ficando depois proibido pela Censura Federal por vinte e um anos.]
“No dia seguinte, a cidade só falava da nossa peça. Eu achava tudo lindo e me badalava como gênio, até que, de tanto me encherem, escrevi outra peça, sem ter absolutamente nada pra dizer.” [A peça era
Os Fantoches, ou Chapéu sobre Paralelepípedo para Alguém Chutar, reescrita depois como Jornada de um Imbecil até o Entendimento.] “E foi um vexame tão grande, tão grande, que no dia seguinte a Patrícia Galvão [que escrevia crítica de teatro para o jornal A Tribuna de Santos] botou na Tribuna o meu retratão de gravata borboleta e tudo, com uma manchete assim: Esse analfabeto esperava outro milagre de circo.” “Mas, não me acanhei. Estava selado que eu era um autor teatral e eu jurava pra mim mesmo que nem sucessos, nem fracassos me abateriam.”

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