Projeto concebido originalmente para a área de Ideias do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) Brasília, Mitos do Teatro Brasileiro é calcado na memória das artes cênicas nacionais.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

As gargalhadas de Dulcina - artigo 29/09/2005


Sérgio Maggio

A primeira vez em que entrei na Fundação Brasileira de Teatro fiquei impressionado com uma foto de Dulcina de Moraes. Com o olho direito esbugalhado e boca de diva, ela parecia me medir dos pés à cabeça. Lembro de nutrir um desejo intenso de que estivesse viva, expressiva e vigorosa como sugeria aquela imagem. Confesso que daquele dia em diante fiquei encantado com a personalidade da atriz, diretora, educadora e visionária. Tão envolvido que certa noite a encontrei em sonho. Tinha acabado de fazer uma reportagem sobre sua vida e obra. Ainda folheava as páginas da biografia escrita por Sérgio Viotti quando adormeci.


Dulcina estava exuberante como era descrita no livro. Eu conversava não sei o que e ela gargalhava; comentava algo de que nem faço idéia e dobrava-se em risos.Acordei me indagando. Por que Dulcina de Moraes estava imersa em felicidade absoluta se aqui, no mundo dos vivos, o tempo é de aridez? Quer um motivo para silenciar o riso? O acervo da atriz, matrona do teatro brasileiro, está ameaçado. Sete décadas de história estão entulhadas em um quartinho no subsolo da FBT.


Ali estão peças de figurino riquíssimo da Companhia Dulcina-Odilon. São vestidos, sapatos, chapéus, adereços, paletós. Um baú guarda cartas, fotos, cartazes e documentos que ajudariam o Brasil a conhecer melhor a história do seu teatro. Tudo é zelado, com limitações, pelos funcionários que chamam o cubículo de “moquifo da Dudu”.

Até hoje, desde a sua morte, em 1996, governo algum se indignou diante do tesouro incalculável.Não quero estragar a felicidade da Dulcina do meu sonho, mas sei de outra notícia triste. O teatro, que leva seu nome, precisa de reforma urgente. Desde 1992, envelhece sem intervenção. No palco, as tábuas apodrecem. No teto, a fiação está exposta e sobrecarregada. As poltronas, sucateadas.

A reforma está orçada em R$ 2 milhões, e a FBT mal tem dinheiro para pagar as despesas cotidianas. Para piorar, Dulcina de Moraes, a mulher que modernizou o teatro brasileiro, anda esquecida. Pouco se fala dela nas escolas, pouco se preserva da sua passagem pela terra.Diante disso, por que será que a atriz gargalhava? Seria por conta da estupidez dos que ficaram por aqui? Dulcina, volta aos meus sonhos e me explica o que parece inexplicável.

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