O sorriso de Ida Gomes
Sérgio Maggio
Nunca esqueço de uma imagem de atriz. Após o termino do espetáculo 7, de Charles Möeller e Claudio Botelho, no Teatro Carlos Gomes, uma parte do público foi para a saída lateral esperar por Ida Gomes, dama dos palcos brasileiros. Era um grupo representativo de fãs, de todas as idades e cores, ainda inebriados pelo espetáculo. Ela saiu, de braços dados a um cavalheiro, e todos a aplaudiram. Ida estampou um sorriso e aquele momento está guardado no relicário de minha memória afetiva.
Acabo de encontrá-la, agora, no Portal Brasil Memória das Artes, da Funarte. Morta em 2009, aos 75 anos, Ida Gomes parece vivíssima no espaço memorial vivo e alentador. É possível ouvi-la. A voz está registrada em todo seu vigor a falar da migração, da fuga dos nazistas, da morte dos parentes nos campos de concentração, do ofício de atriz
Passei 18 minutos com Ida Gomes nesta noite de domingo e confesso que me enchi de felicidade e de esperança ao encontrar este outro Brasil que luta contra o Alzheimer cultural. A memória é um grande pilar para identidade e pertencimento de uma nação. Precisamos ter orgulho cultural para seguir mais fortes nos tempos de agora. Como é importante saber como se deu a construção da memória cultural do país, como é importante colocar essas informações em circulação constante.
Recentemente, fizemos uma homenagem a Dina Sfat, no projeto Mitos do Teatro Brasileiro, e me deparei com alguns jovens de 18 anos que não sabiam quem era a atriz, que morreu há tão pouco tempo, em 1989. Colocar então esses nomes, não só o físico, mas o nome conceitual, o contexto que ele traz em seu entorno, em movimento é o caminho para produzirmos um país que está além da instantaneidade que marca o século pós-moderno.
Tenho cada vez mais me preocupado com o zelo à memória, não só a do indíviduo, limitada à minha existência, mas a memória cultural, a que armazena a história subjetiva de todos nós. Uma das piores formas de envelhecer, indivíduo e sociedade, é a possibilidade de perder a memória, de não conseguir mais reconstituir os caminhos. De não trazer à tona, aqui e agora, não só o sorriso de Ida, mas todo o contexto de mulher e de atriz que vem esboçado com ele.
Vivemos num país que historicamente não costuma colocar as memórias em movimento. Que mal tem cuidado em proteger o patrimônio físico, os vestígios físicos. Não há hábito de transformar os arquivos históricos em espaços vivos do aqui e agora, capazes de iluminar o passado, como o sorriso de Ida que vem à minha mente e me enche com sua presença. Daí, o Portal Brasil Memória das Artes ser um alento.
Na entrevista postada, Ida Gomes, dona de voz marcante, que dublou a maioria dos filmes de Beth Davis, diz que há a gente que faz muita falta. Dias Gomes é um deles. Aproveita e fala do carinho em receber o aplauso do público.
- Me sinto viva.É assim que eu a percebo agora. Viva e sorrindo dentro da minha memória.
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