Projeto concebido originalmente para a área de Ideias do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) Brasília, Mitos do Teatro Brasileiro é calcado na memória das artes cênicas nacionais.

sábado, 1 de setembro de 2012

O ataque ao Roda Viva


Mesa Redonda "Roda Viva" discute a censura, o AI-5 e as críticas à peça

Na terça-feira (14/10), às 14 horas se deu a primeira sessão de debates do Seminário 1968: Liberdade e Repressão. Nela se pôde ver a diversidade de opiniões sobre o acirramento da censura e da ditadura militar, tendo como pano de fundo a invasão dos camarins e a agressão dos atores da peça Roda Vivapelo Comando de Caça aos Comunistas (CCC) e o decreto do Ato Institucional 5 alguns meses depois.

Da esquerda para a direita: Valmir Santos, Prof. Dr. Sérgio Carvalho e a Profª Drª Maria Cristina Castilho Costa.

A mesa foi coordenada pela Profª. Drª. Maria Cristina Castilho Costa, que, já de início clamou à diversidade de 1968 para apresentar os presentes à mesa de debates: César Vieira, autor teatral e diretor do Teatro União Olho Vivo, Profª. Drª. Maria Arminda do Nascimento Arruda, Professora Titular do Departamento de Sociologia da FFLCH- USP, Prof. Dr. Sérgio de Carvalho, do Departamento de Artes Cênicas (CAC) da ECA-USP, Valmir Santos, jornalista e mestrando do CAC – ECA/USP, e Sérgio Salvia Coelho, diretor do Teatro da Lucidez e crítico de teatro do jornal Folha de S. Paulo.

César Vieira: a censura há 40 anos, e a censura hoje

César Vieira durante sua apresentação no debate da Sessão "Roda Viva"
César Vieira, homem do teatro, autor, e diretor de inúmeras peças, foi o primeiro a falar, e, deixou bem claro em sua fala, que a censura ainda existe, porém sob outras máscaras. A história de resistência de Vieira à Ditadura é duplamente importante: além de ser autor de peças, César foi um "advogado de presos políticos"( sob o nome, o seu verdadeiro, Idibal Almeida Piveta) responsável pela liberação de nomes como Augusto Boal e Luís Inácio Lula da Silva.
César explicou, passo a passo, como ocorria o processo de censura de uma peça do ponto de vista de um autor. Afirmou que os censores do Serviço Nacional de Censura tinham o objetivo de "defender a moral, os bons costumes e a ordem estabelecidas", dessa forma a censura era feita mais de maneira subjetiva, já que cabia a cada censor saber o que ia contra a moral, os bons costumes e a ordem estabelecida,o próprio César questionou "o que quer dizer isso tudo? Ninguém sabe".
Além daquela estabelecida, César apontou para um outro tipo de censura que surgiu na época: a auto-censura, que fazia com que o autor da peça pensasse duas vezes cada vez que colocasse na sua obra algum termo que pudesse dar discussão entre os censores. Essa auto-castração também atingia atores e produtores de teatro. Alguns autores, como Plinio Marcos conseguiam confrontá-la, segundo Vieira.
O diretor afirmou que hoje não existe a censura institucional, mas existe uma "censura econômica". Ele a classificou como "mais violenta, mais terrível e mais massacrante" que àquela dos anos 60, pois submete o teatro às leis de mercado. César apontou para o fato de apenas a cidade de São Paulo ter uma lei, no mínimo, satisfatória com relação ao financiamento de apresentações teatrais: a lei do fomento.
Vieira criticou a vigoração da lei Rouanet, que permite a apresentação de peças como Miss Saigon e O Fantasma da Ópera, peças que já vem montadas, e pasteurizadas, na visão do diretor. César ainda criticou o preço delas, "mais de meio salário mínimo" e apontou que as empresas financiadoras já receberão o dinheiro investido na peça, pela lei supracitada, por isso, não precisariam cobrar um preço tão alto nos ingressos.
César ainda rememorou os acontecimentos da época como, por exemplo, a repressão ao Congresso da UNE, em Ibiuna, que ocorreu em outubro de 1968. Contou que foi chamado para defender muitos estudantes que estavam presentes nesse congresso. César afirmou que 1968 foi o "golpe dentro do golpe": a ditadura se cristalizou.
"Toda a ditadura que se instala, desde os gregos até hoje, o primeiro inimigo, por 1001 motivos que eles encontram, que atacam e tentam destruir é o teatro", disse Vieira, que tentou explicar o porquê desse ato: "Talvez seja porque o teatro é direto (...) é um personagem falando a sua realidade, olho no olho, transmitindo alguma coisa, dizendo alguma coisa, questionando coisas e colocando opções."
Como não podia faltar, César contou um fato engraçado ocorrido durante a censura de uma de suas peças, o monólogo "Whisky para o rei Saul", quando o censor mandou "cortar" a palavra testículos da peça. O que gerou uma notícia com os seguintes dizeres : "peça em que rei Saul foi castrado por um censor".
Por fim, vieira afirmou que a luta continua hoje em dia, mesmo com um "inimigo velado". E que, o teatro é "um ato de amor, e, mais do que tudo, vai ser sempre um ato de rebeldia".

Profª Drª Maria Arminda do Nascimento Arruda : a conjuntura que levou à 1968

Professora Maria Arminda Arruda: em países periféricos: "Há uma atmosfera libertária em 68"
A Profª Drª Maria Arminda do Nascimento Arruda classificou os acontecimentos de 1968 como um "grande evento histórico", e os comparou à 1848, o ano em que surgiram o feminismo, a idéia do povo como trabalhadores socialistas e a figura de Baudelaire. Assim, baseada na história, a professora começou a expor a parte que lhe competia da mesa redonda.
Maria Arminda procurou mostrar que, apesar de terem acontecido no mesmo ano, e sob uma atmosfera parecida, uma "atmosfera libertária" , os acontecimentos na França e no Brasil tiveram motivações e trejeitos diferentes. Enquanto no primeiro país a participação dos estudantes era massiva, no outro houve uma grande participação de trabalhadores. O enfrentamento dos problemas do Brasil eram mais visados que "as questões diretamente comportamentais", como foi no caso do movimento de 68 nos EUA.
Uma chave fundamental para se entender a conjuntura política, social e cultural de 68 no Brasil é, logicamente, o golpe militar de 1964. E toda a atmosfera que rondou o golpe foi inaugurada nos anos 50, principalmente do ponto de vista cultural. A professora apontou para o "novo período modernista" por qual o teatro passou após a criação do TBC, em 1948; citou ainda o trabalho de dois autores da época, Nelson Rodrigues e Jorge Andrade. Segundo ela, "o teatro é um gênero adequado às expressões políticas e sociais".
O conflito pelo qual o teatro passou em 64 é anterior a este período. A professora afirmou que "a datação das diferentes esferas da cultura é diferente da datação da política, embora tenham confluências"; ou seja, as tensões entre a visão de teatro já existiam, mesmo antes de 64. E permaneceram depois do golpe, o que culminou numa das épocas mais criativas do teatro brasileiro.
Maria Arminda afirmou que o AI-5 é parte de uma cultura em ebulição. O congresso da UNE, segundo a professora, foi o estopim, mas houve diferentes formas de repressão à cultura até então. Ainda sobre a cultura, Arminda provou que a frase de Robert Schwartz sobre o Brasil entre 64 e 69 "Parece que o Brasil ficou mais inteligente" não era um paradoxo, não do ponto de vista cultural. "Esse período inteligente não pode ser entendido sem a referência ao projeto moderno anterior, que não suprimiu todas as virtualidades contidas nas suas promessas em função das tensões internas da cultura"., tais tensões, segundo a professora, provém da precariedade do moderno em um país tão desiquilibrado quanto o Brasil, que de um lado oferece uma cultura viva e densa, e de outro mostra um "déficit democrático e político".
A professora terminou sua exposição, lendo um parágrafo que versava sobre o pós-64 e o pós-68, no contexto da modernidade, e da escolha que a cultura moderna capitalista teve que fazer entre o recuo ou o aprofundamento da dominação da indústria cultural. E terminou afirmando : "Voltar nesse tema [de 1968] é, sobretudo, pensar os nossos empasses".
Prof. Dr. Sérgio de Carvalho: análise de "Roda Viva"

Professor Sérgio Carvalho demonstrou as críticas presentes no texto de Chico Buarque

O Prof. Dr.Sérgio Carvalho usou seu tempo no debate para aprofundar as visões de Roda Viva como texto teatral e como obra musical. Isso porque segundo o professor, a agressão que "ela" sofreu e a encenação agressiva que Zé Celso criou para a peça, acabam por abafar as discussões sobre a obra em si (ler mais sobre a peça no último tópico dessa postagem : Contexto e a temática do debate).
Sérgio, primeiramente, apontou para o uso oblíquo que Zé Celso fez do coro da peça. Zé Celso transformou o coro num coro agressivo, contra-cultural, quase antropofágico, nas palavras do professor: "[Zé Celso]deslocou a função dramaturgica que ele [o coro] tem". Na encenação da peça o coro andava por entre as fileiras e interagia, às vezes de forma irônica, Às vezes de forma violenta, com a platéia. Já no texto, o coro traz uma "polifonia de vozes estranhas" ao discurso da peça. O professor apontou que o coro construído por Buarque ia desde um coro ultra-conservador, até um contra-ponto lúcido do processo que está em curso.
A peça conta a história de Benedito da Silva, um cantor que foi convertdido para ser um cantor de massa, se transformando em Ben Silver. Assim, o cantor passa a fazer parte, efetivamente, da Indústria Cultural, ele se torna "uma mercadoria. No primeiro ato, Ben Silver, com ajuda de um anjo, que faz as vezes de produtor, e de um capeta, que faz as vezes da mídia, consegue atingir o sucesso, mas é confrontado por seus amigos e por sua namorada que se recusam a observar tal mudança de homem para função. Benedito da Silva era um homem, Ben Silver é uma mercadoria, assim explicou Sérgio Carvalho.
No segundo ato, Ben Silver enxerga-se derrotado, e começa a perceber quais são as engrenagens daquilo que participa. Para não deixá-lo sem sucesso algum, o anjo tem uma idéia: transformá-lo em "Benedito Lampião", um cantor nacional popular, brasileiro de raiz pura. De qualquer forma, o sucesso já não era mais garantido, e Ben Silver, ou Benedito Lampião, não agrada ao capeta, nem aos fãs que, literalmente, o matam. Na verdade, a peça mostra que ele foi trocado, e não morto. Foi trocado por sua esposa, Juliana, que se transformou numa cantora "hippie".
O professor apontou para a semelhança entre a estrutura da peça, com a estrutura do teatro religioso alegórico da Idade Média, em que também se existiam um anjo, um capeta e um herói que se via em perigo, e era salvo porque seguia os conselhos do anjo. Apeça, segundo Sérgio, se vale de muitos recursos alegóricos e paródicos, alguns deles conhecidos como a sátira e a marchinha.
Por ser músico, Chico Buarque criou um segundo nível de ironização e de desvio do discurso textual na harmonização e nos aspectos melódicos das músicas da peça."No estilo musical e melódico de Roda Viva se tem a chave para entender o teatro de Chico Buarque ", disse Sérgio Carvalho um pouco antes de explicar como o uso da música que deu nome à peça conseguiu unir todos esses aspectos.
De acordo com o professor,"Roda Viva estabelece uma imagem sistêmica da indústria cultural" quando mostra um cantor passando por dois processos mercantis, ou seja, processo em que a pessoa se transforma numa mercadoria. A peça, dessa maneira, se mostrou um retratro contundente do espaço cultural brasileiro, e daquilo que se imaginava ser a cultura massificada do país.
Sérgio terminou sua apresentação, lendo uma parte do livro "Verdade Tropical", escrito por Caetano Veloso, em que o cantor critica a posição de Chico Buarque, e a classifica como "ingênua, e de puro "bom-mocismo".
Valmir Santos: o Teatro de Agressão hoje em dia


Valmir Santos (primeiro da esq. p/ a dir.) tentou mostrar como o Roda Viva seria visto hoje em dia
O jornalista Valmir Santos se valeu de dois exemplos atuais para explicitar a visão que as pessoas tiveram da encenação de Roda Viva em 1968. Mas, para isso, precisou colocar em perspectiva o conceito de "teatro de agressão", usado por Anatol Rosenfeld em sua crítica à peça.
Zé Celso criou uma passarela entre o palco e a platéia, por onde os atores do coro passavam, e assim, interagiam com a platéia. Essa interação, era, porém, agressiva. O que fez com que Rosenfeld usasse tal designação para a peça. Rosenfeld achou que a encenação de Roda Viva se encerrava em si mesma, não criava nennhum conflito externo, por isso, a sua agressividade apenas deixava o público anestesiado.
Para mostrar as duas facetas do Teatro de Agressão, Valmir se valeu de dois exemplos: um em que a proposta era feita de maneira a levar a platéia a um questionamento; e outra em que a agressividade era apenas um recurso para deixar a platéia mesmerizada e anestesiada.
O primeiro é o Trabalho do grupo Teatro da Vertigem, na peçaApocalipse 1,11 (foto a dir.), encenada em 2000 no antigo Presídio do Hipódramo, em São Paulo; há no título d apeça uma alusão ao massacre do Carandiru em 1992, em que 11 presidiários morreram. O jornalista esmiuçou a cena da boate Nova Jerusalém, que é um espaço em que se flagram muitas personagens e temas: "um apresentador que é uma besta travestida, interafindo com uma personagem da Babilônia, uma mulher prostituida, uma cena de ligação ao negro, uma cena de sexo explícito por um casal profissional, outra cena em que há um pastor evangélico bem alterado na sua posição de arrebanhar seus seguidores fiéis". Partes da Constituição Brasileira são lidas por uma mulher gaga. Valmir arremata :"a cena é interrompida, é desmontada, por um ataque dos anjos revoltosos que chegam (...) empurrando os atores que estão ali como personagens e o próprio público, empurrando-o para a parede".
Essa peça, segundo o jornalista, produz um choque cultural. É um "teatro de agressão em que a afirmação simbólica da teatralidade está imposta, colocada, e, de alguma forma, está trans-criando e trans-cruzando o ator e o público", afirmou Valmir.
O segundo exemplo é de como esse tipo de teatro foi "re-embalado, refeito e apresentado de uma forma mais agradável". É o caso do espetáculo Fuerza Bruta (foto à esq.), do grupo de teatro Argentino, . O jornalista disse que o espetáculo é "bastante radical na interação com o público, na ocupação do espaço aéreo", mas que o discurso apropriado pela publicidade para vender o espetáculo se vale do anestesiamento de forma "sem vergonha". Segundo Valmir, quando um espetáculo desse tem um ingresso de 120 a 150 reais, e se tem um público tão delimitado, dá para se entender o que que Anatol Rosenfeld quis dizer com o anestesiamento causado pelo Teatro de Agressão.
Valmir terminou sua explicação com um questionamento, tirado da música Roda Viva : "A gente estancou de repente, ou foi o mundo então que cresceu?"

Sérgio Salvia Coelho: a provocação e o contraponto da barbárie

Sérgio Coelho (de vermelho) questionou a devolução dos prêmios Saci pela classe teatral em 1968
O crítico teatral e diretor do Teatro da Lucidez, Sérgio Coelho, pretendeu em sua fala mostrar os ângulos diferentes sobre os acontecimentos que abalaram a classe teatral no ano de 1968. Além de apresentar a opinião de Anatol Rosenfeld, provou, usando palavras de Zé Celso, que o ataque ao Roda Viva não fizeram dos formadores do espetáculo, vítimas; e ainda leu a nota do Estado de S. Paulo que deu tanta polêmica entre a classe artística nesse ano.
Sérgio tentou fazer uma linha dos acontecimentos desde 18 de julho, até 13 de dezembro de 68. Ou seja, desde o ataque ao Roda Viva até a instituição do AI-5. Mesmo assim, o crítico passou por uma data antes dessas duas previstas: 11 de junho. Nesse dia, o jornal Estado de S. Paulo publicou uma nota que comentava sobre a manifestação do deputado Aurélio Campos, segue abaixo, o trecho que Coelho leu:
"(...) Foi uma oportuna manifestação a que se registrou recentemente na Assembléia Legislativa, pela palavra do deputado Aurélio Campos, sobre os excessos que se tem verificado em representações teatrais no terreno do desrespeito aos mais comezinhos preceitos morais. O mundo teatral ? tanto os atores e atrizes como os autores ? vêm movendo uma campanha sistemática contra a censura, e como esta nem sempre é exercida por autoridades à altura de tão graves e, às vezes, tão delicadas questões, a tendência de muitos é cerrar fileiras entre os que combatem. O que na censura geralmente se vê é uma ameaça à liberdade, o que assume a feição particularmente antipática quanto à liberdade ameaçada é a artística. Carradas de razão, entretanto, teve o parlamentar acima referido ao assinalar, a propósito de peça teatral a cuja representação assistira, que a censura, longe de se mostrar rigorosa no escoimá-la de seus exageros mais escandalosos, o que revelou foi uma complacência que não pode deixar de ser severamente criticada.(...)"
Tal nota provocou uma reação agressiva da classe teatral, que se viu atacada pelo fato de o jornal não ter colocado tla nota na sessão de opinião. Por não se tratar de uma matéria assinada, o crítico afirma que, pareceu aos artistas que a noticia informada era uma opinião do jornal inteiro.
Assim, os artistas não pensaram duas vezes antes de devolver os prêmios Saci, que o Estado distribuia todo final de ano, desde 1951. Tal ação provou outra reação inesperada: Décio de Almeida Prado parou de escrever críticas teatrais no jornal.
Sérgio argumentou que uma parcela da população se via agredida com a nota, e que outra parcela, se via agredida com o uso de palavrões nas peças. A simbologia do prêmio, para aqueles que devolveram era outra, não significava mais apenas o repúdio à nota favorável à censura; significava uma recusa a se colocar no jogo mercanti, representado pela burguesia que entregava tal prêmio, no olhar dos artistas.
O crítico teatral passou a citar, então, outro: Anatol Rosenfeld, em suas críticas sobre o Roda Viva. O termo Teatro de Agressão foi usado primeiramente pelo próprio Zé Celso, em uma entrevista dada um pouco antes da peça sair em cartaz. O diretor afirmou nessa mesma entrevista que a agressão tinha que ir além do sibólico, tinha que romper o padrão de bom comportamento e bom gosto; "tinha que agredir fisicamente a platéia".Rosenfeld ironiza tal postura do Zé Celso ao questionar a eficiência dessa prática de agressão direta ao público para a causa comum da intelectualidade e dos artistas.
Anatol ainda ironizou ao dizer que em Roda Viva "o público burguês não é atacado e nem ferido", já que este é aquele que pode pagar pelo ingresso. Ele ainda afirma que essa pela reafirma os atos burgueses. O público da peça era o mesmo que era criticado nela: "as meninas que iam ver uma peça de Chico Buarque", que permitiam a existência de ídolos e da idolatria. Dessa forma,na opinião de Rosenfeld, Zé Celso usou a tal estratégia de agressão para conquistar a platéia. Anatol acreditava que o teatro de agressão cumpre bem o seu papel quando aquelas pessoas que não se sentem tocadas pela peça, levantam e saem do espetáculo.
Sérgio ainda leu alguns depoimentos de Zé Celso sobre o uso da agressão nas suas montagens. Sérgio afirma que Zé Celso queria fazer uso da violência como "um princípio supremo " no lugar de apenas um elemento estético. O diretor afirmava que uma peça, para continuar chocante, tinha que extravasar do uso de palavrões e gestos, e passar para as "vias de fato".
A declaração mais polêmica lida por Sérgio, feita por Zé Celso, pouco tempo antes da invasão do Roda Viva, foi essa: "A companhia tem que nutrir duas esperanças contraditórias: primeira, por razões de eficácia e orgulho profissional, a de que um público vigorosamente provocado responda com vigor; segundo, por razões financeiras, é de que haja um númerro bem maior de espectadores que atores de modo que estes apanhem violentamente". Então, Sérgio arrematou "se o CCC tivesse levantado durante a peça e começado a espancar os autores, teria sido o público ideal de Zé Celso", ou seja, ó público que reage apaixonadamente ao tema da peça.
O crítico terminou sua apresentação afirmando que 68 foi o ano em que o teatro perdeu a crítica, e que parou de existir um dialogo entre artistas e pensadores, e passou a existir apenas um "messias que indica para platéia o que é certo e o que é errado. E esse foi um risco muito grande a se pagar", completou Sérgio.

Contexto e temática do debate:

A peça (e musical) Roda Viva (foto à esquerda), de autoria de Chico Buarque de Holanda, foi encenada durante o ano de 1968. Sob a direção de José Celso Côrrea, o mesmo diretor de O Rei da Vela, e com os atores do Teatro Oficina, a peça se mostrou agressiva e manteve o tom das montagens anárquicas de Zé Celso. O enredo mostra a trajetória de Benedito Silveira, um cantor que se tornou ídolo da música pop sob o nome Ben Silver, desde a sua ascensão até seu aniquilamento pelas mesmas engrenagens do showbiz que o tinham fabricado.

Em 18 de Julho de 1968, logo após a apresentação da peça, o galpão do Teatro Ruth Escobar (SP) "(...)foi invadido por cerca de vinte elementos armados de cassetetes, soco-inglês sob as luvas, que espancaram os artistas, sobretudo as atrizes, depredaram todo o teatro, desde bancos, refletores, instrumentos e equipamentos eletricos até os camarins, onde as atrizes foram violentamente agredidas e seviciadas(...)" (Trecho retirado da notícia "Invadido e depredado o Teatro Galpão" publicado no jornal Folha de S. Paulo, um dia depois do ocorrido).

No contexto político, o Brasil vivia a ditadura militar, instalada no ano de 1964. No final de 1968, mais precisamente, no dia 13 de dezembro deste ano, o presidente Costa e Silva baixou o Ato Institucional Nº 5 (ou, simplesmente, AI-5) que endureceu a ditadura militar, e estipulou o fim da liberdade de expressão do período. O Ato, entre outras ações, fechou o Congresso Nacional, suspendeu a possibilidade de qualquer reunião de cunho político e reestabeleceu a censura prévia de peças, músicas, filmes e novelas.

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