Projeto concebido originalmente para a área de Ideias do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) Brasília, Mitos do Teatro Brasileiro é calcado na memória das artes cênicas nacionais.

segunda-feira, 26 de março de 2012

Queridos companheiros

os atores Elisete Teixeira, Wilson Granja e Jones de Abreu (Alberto Roberto)

No universo fantásticos de 209 tipos, Correio destaca 10 que perpetuam a grande obra criativa de Chico Anysio


SÉRGIO MAGGIO

Quando criador e criatura se encontrava, Chico Anysio viva a dor e a delícia de doar o seu corpo a outra personalidade. Tantas, mais duas centenas de vozes, gestos, bordões e trejeitos possuíam o homem em transe criativo. Todos eram importantes e compostos em detalhes, mas, alguns caíram na graça do ator de um jeito que os olhos brilhavam e o sorriso abria quando ele se referia a esses seres fantásticos. Deixamos de fora amado-mestre Professor Raimundo, a paixão maior de Chico e, portanto, que pairam sobre todos. Assim, numa missão quase impossível, o Correio destaca 10 dos 209 tipos que seguirão por muito tempo na memória do brasileiro.


CLEOFAS
O personagem é inspirado no livro de Chico Anysio O telefone amarelo. Chico faz uma forte crítica ao poder, ao status, já que o tipo é atemporal e viveu com mitos como Maria Antonieta e Judas Iscariotes. Aqui, foi desenhado pelo ilustrador Kácio, do Correio, para o livro É mentira, Chico? (DM — Di Momento), organizado por Ziraldo, do qual foram extraídos trechos dos esquetes.



ALBERTO ROBERTO

O galã era uma sofisticada apreensão do astro televisivo e canastrão que povoa o imaginário das fãs. Vaidoso ao extremo e pouco afeita ao entendimento do ofício de ator, Alberto Roberto dobrava a língua para pronunciar “eres” e trocava letras e significados das palavras. Adora levar tudo para o plural: “Calmem!, sou um ator”. Na tevê, contracenou com grandes nomes do teatro brasileiro, sempre colocando o convidado em situação constrangedora diante do seu estrelismo e da total falta de senso.

Bordão: "Eu sou um símbalo sescual"


Trecho de esquete:

ALBERTO ROBERTO — Hoje você vão aprenderem como se representa um bêbado. Vamos então à parte técnica. Atenção: esbugalhar bem os olhos… Assim (mostra), como se tivesse vendo a Luísa Erundina em traje de banho, duas peças…

APRENDIZ (imita) — Assim

ALBERTO ROBERTO — Não, não. Assim é como se você estivesse vendo mim em traje de banho. Eu quero a Erundina.


PAINHO

O pai de santo mais famoso da Bahia deitou e rolou nas telas brasileiras, recebendo grandes personalidades brasileiras para jogar búzios e falar do futuro. No seu abaitolá, rodeado de iaós, vivia como um rei de baianidade única, estirado em grandes tronos ou em redes. A relação com a menina Cunhã era um dos pontos altos do quadro. Para ela, muitas vezes depois de abusar de certos favores, ele dizia: "Eu sou doooido por essa neguinha." Painho trazia o carinho e o respeito de Chico Anysio pelas comunidades afros-brasileiras.


Bordão: “Afffe! Eu tô morta!”


Trecho de esquete:

Toque de telefone

SOCORRO — Alô! È do abaitolá de Painho… Sim? Sei… sei.. sei… Eu vou perguntar a ele… Painho, é o seu Daniel Filho pedindo a Painho entregar, ainda hoje, dois capítulos, senão não vai dar pra Painho entrar no ar!

PAINHO — Diz pra ele ligar mais tarde. Deixa o meu datilógrafo chegar.

GAROTÂO — Já to aqui, Painho. Deixa comigo que eu dou 130 toques por minuto…

PAINHO — Afeee… Que garoto tocador. Tô todo arrepiado…


AZAMBUJA

O universo futebolístico entra com toda força na composição de Paulo Maurício Azambuja, arquétipo do malandro carioca e jogador que não deu tão certo. Adora um mulherio, uma cachaça e um samba. O corpo de atleta ficou no passando. O seu melhor passe, é aplicar golpes. Chico contracenou com o grande Wilson Grey (ícone do cinema brasileiro), no papel de Linguiça.


Bordões: “Tô contigo e não abro!”, “Arrebenta a boca do balão!” e “Tá danado, tá danado…!”


AZAMBUJA — Salsicha vai perder uma bela comissão, quem mandou faltar?

ANÃO — Se eu servir… Qual é o serviço?

AZAMBUJA — É pra vender este bilhete

ANÃO — Oh, meu chapa, esse bilhete é frio.

AZAMBUJA — E achas que se fosse quente eu ia vender?


JUSTO VERÍSSIMO


Chico Anysio sempre quis fazer crítica social, jamais humor política. A própria cidade de Chico City nasceu com a pretensão de ser um microcosmo do Brasil, suas mazelas e alegrias. Justo Veríssimo é o desenho do mau político brasileiro, aquele que pensa primeiro em si, depois em si e jamais no povo. Atualíssimo, o personagem é o retrato de um político retrógado que sobrevive ao país que caminha economicamente bem para ser uma superpotência mundial.

Bordão: “Tenho horror a pobre!", “Quero que pobre se exploda!”

TRECHO DE ESQUETE

MOÇA — Deputado, por que o senhor não quis que eu comesse um daqueles bolinhos?

JUSTO — Porque o recheio deles é dinamite de repuxo.

Entra a imagem de um prédio sendo implodido

JUSTO — Meus bolinhos maravilhosos cumpriram com seus deveres.

MOÇA (ESPANTADA) — Deputado?

JUSTO — Eu quero que o pobre se exploda!


HAROLDO

O Brasil nem discutia a homofobia quando Chico Anysio criou Haroldo, o Hetero, que deixou de ser gay para viver a plenitude como homem másculo. O quadro brincava com questões como “entrar e sair do armário”, “cura gay” e “perseguições aos homossexuais. Em seu auge, Chico contracenou com Paulette, humorista e bailarino maravilhoso, que surgiu no grupo Dzis Croquetes. Ele dizia: “Luana, solta essa franga e volta para o seu reduto!”

Bordão: “Agora sou hétero. Mordo você todinha!”


Trecho de esquete

LEON (CHEGANDO) — ih, bicha, pirou? Você nas Forças Armadas?

HAROLDO — Não entendi a ironia. Lugar de macho é no exército. Aqueles cotrunos…

LEON — Sei Luana Batalhão. Você tá só pensando em ver os recrutas suados, molhados, marchando, tomando banho…

HAROLDO — Il, sai pra lá! Xô, urucubaca! Eu nasci pra servir! É tradição. Meu avô foi um grande general. Foi vovô que “introduziu” a baioneta nas Forças Armadas!


PANTALEÂO

O maior contador de causos era uma deliciosa sátira a verve do brasileiro de criar ficção sobre o real. Aposentado, vivia a se balançar numa cadeira, de pijamas e sandálias a exagerar nas histórias, sempre comprovadas pelos álibis: a esposa Terta e Pedro Bó. Teve como inspiração o visual Dom Pedro II ea voz de Luiz Gonzaga.

Bordões: “É mentira, Terta?”… “Pois bom, numa ocasião em 1927…”

Trecho de esquete:

TERTA — Conta a história do poste de Jaboatão…

PANTALEÃO — Pois bom. Sucedeu-se em um novecento e vinte e sete.. Eu tava em casa lavando o rosto..

PEDRO BÓ — Com água?

PANTALEÃO — Não Pedro Bó. Com mijo. Pedro Bó tenha paciência…


BOZÓ

O funcionário da Globo usa e abusa do crachá que exibe no peito para exercer poder sobre as pessoas, a maioria que deseja ardentemente a fama. Ele mesmo, gago e detunço, foge completamente ao padrão de beleza. É uma forte crítica ao fascínio da indústria da celebridades em tempos onde não se falava sobre isso. Chico Anysio denuncia o jogo de favores, os testes de sofás, os assédios e as loucuras para se tornar uma estrela.

Bordão: “Eu-eu trabalho na Globo, tá legal!”

Trecho de esquete:

GUARDA (DE OLHO NA BABÁ) — Ah, que nenezinho lindo. Adoro crianças.

BOZó (CHEGANDO) — Então toma conta da criança, enquanto eu, que gosto mais de mulata, tomo conta da babá.

GUARDA — Que folga é essa com a moça? Você não está me vendo aqui não?

BOZÓ — Tô, mas eu prefiro a babá… Eu trabalho na Globo e lás nos pesquisamos os atributos, e sempre optamos pelos mais bem dotados.


SILVA

O personagem genial vem de Souza (Paraíba) e tem uma miopia fortíssima. É um homem simples, fora de qualquer atributo físico, mas simplesmente enlouquece as mulheres, capazes de fazer de tudo para experimentar e propagar o borogodó que esse nordestino tem.


Bordão: “Safadim, safadim… bunitim!”


Trecho de esquete:

MULHER — I love Silva

HOMEM – Taí, dessa piada eu gostei. Se alguém me contasse eu não acreditaria.

SILVA — Pode acreditar, macho. Ela agora é minha, da cabeça aos pés, com uma parada diária no meio do caminho.

MULHER — E ninguém mistura uma tinta melhor do que Silva. Gostosim.

SILVA — Safadim e bunitim


POPÓ

Chico Anysio faz uma crônica da velhice com o homem razinza, ranheta e insuportável. Conviveu com gente do porte de Carlota Joaquina, Caramuru, Carlos Gomes, Oswaldo Cruz e Santos Dumont. A todos, diz que completou 364 anos, mas na identidade registra 91, já que faz aniversário de quatro em quatro anos. Atormenta o amigo Albamerindo, tratando-o como idiota.

Bordão: "Albamerindo, você é idiota! Você é iiidiota!"


Trecho de esquete

POPÓ (Procurando Objetos) — Quer dizer que está tudo em seus devidos lugares Alpamerindo?

ALBAMERINDO — Tudo, tudo, tudo em seus devidos lugares

POPÓ (CHORA) — Buááááááááá

ALBAMERINDO — Mas Popó, está tudo em seus lugares, tudo certinho, você está chorando por quê?

POPÓ — Porque eu não tenho do que reclamar, idiota. Buááááááááá

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