Projeto concebido originalmente para a área de Ideias do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) Brasília, Mitos do Teatro Brasileiro é calcado na memória das artes cênicas nacionais.

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

O sorriso de Ida Gomes

O sorriso de Ida Gomes






















Sérgio Maggio

Nunca esqueço de uma imagem de atriz. Após o termino do espetáculo 7, de Charles Möeller e Claudio Botelho, no Teatro Carlos Gomes, uma parte do público foi para a saída lateral esperar por Ida Gomes, dama dos palcos brasileiros. Era um grupo representativo de fãs, de todas as idades e cores, ainda inebriados pelo espetáculo. Ela saiu, de braços dados a um cavalheiro, e todos a aplaudiram. Ida estampou um sorriso e aquele momento está guardado no relicário de minha memória afetiva.
Acabo de encontrá-la, agora, no Portal Brasil Memória das Artes, da Funarte. Morta em 2009, aos 75 anos, Ida Gomes parece vivíssima no espaço memorial vivo e alentador. É possível ouvi-la. A voz está registrada em todo seu vigor a falar da migração, da fuga dos nazistas, da morte dos parentes nos campos de concentração, do ofício de atriz
Passei 18 minutos com Ida Gomes nesta noite de domingo e confesso que me enchi de felicidade e de esperança ao encontrar este outro Brasil que luta contra o Alzheimer cultural. A memória é um grande pilar para identidade e pertencimento de uma nação. Precisamos ter orgulho cultural para seguir mais fortes nos tempos de agora. Como é importante saber como se deu a construção da memória cultural do país, como é importante colocar essas informações em circulação constante. 
Recentemente, fizemos uma homenagem a Dina Sfat, no projeto Mitos do Teatro Brasileiro, e me deparei com alguns jovens de 18 anos que não sabiam quem era a atriz, que morreu há tão pouco tempo, em 1989. Colocar então esses nomes, não só o físico, mas o nome conceitual, o contexto que ele traz em seu entorno, em movimento é o caminho para produzirmos um país que está além da instantaneidade que marca o século pós-moderno.
 Tenho cada vez mais me preocupado com o zelo à memória, não só a do indíviduo, limitada à minha existência, mas a memória cultural, a que armazena a história subjetiva de todos nós. Uma das piores formas de envelhecer, indivíduo e sociedade, é a possibilidade de perder a memória, de não conseguir mais reconstituir os caminhos. De não trazer à tona, aqui e agora, não só o sorriso de Ida, mas todo o contexto de mulher e de atriz que vem esboçado com ele. 
Vivemos num país que historicamente não costuma colocar as memórias em movimento. Que mal tem cuidado em proteger o patrimônio físico, os vestígios físicos. Não há hábito de transformar os arquivos históricos em espaços vivos do aqui e agora, capazes de iluminar o passado, como o sorriso de Ida que vem à minha mente e me enche com sua presença. Daí, o Portal Brasil Memória das Artes ser um alento.
Na entrevista postada, Ida Gomes, dona de voz marcante, que dublou a maioria dos filmes de Beth Davis, diz que há a gente que faz muita falta. Dias Gomes é um deles. Aproveita e fala do carinho em receber o aplauso do público. 
- Me sinto viva. 
É assim que eu a percebo agora. Viva e sorrindo dentro da minha memória. 




Biografia de Ida Gomes

Atriz foi criadora de personagens marcantes na televisão e no teatro


Biografia de Ida Gomes


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Ita Szafran nasce em Krasnik, na Polônia, em 25 de setembro de 1926. É criada na França, onde chega com sua família um ano depois de seu nascimento. Em Paris, aperfeiçoa a língua materna, o francês, ao estudar os escritores clássicos, como Racine, Corneille e Molière. De família judaica, vem para o Brasil quando se torna eminente o domínio alemão sobre a França. Em 1938, incentivada pela mãe, participa do concurso Em Busca de Talentos, lendo uma poesia no programa de Celso Guimarães, na Rádio Tupi, e conquista a primeira colocação. Cumpre a seguir um período na Rádio Jornal do Brasil, até que Olavo de Barros lhe oferece um contrato na Rádio Tupi. Na Rádio Globo, integra o elenco de radioteatro dirigido por Amaral Gurgel e, em seguida, atua na Rádio Nacional que vive então o auge da sua programação. Em 1948, com uma bolsa de estudos, vai estudar nos Estados Unidos. Em 1951 segue para Londres para um estágio no serviço brasileiro da Rádio BBC, na qual atua em novelas e como locutora.
Já de volta ao Brasil, inicia sua carreira na televisão, entrando para a TV Tupi em 1953. Estreia sob a direção de Chianca de Garcia, protagonizando Electra, de Sófocles, ainda nos estúdios da Avenida Venezuela, com direito a uma desconfortável coluna no meio do estúdio. No elenco, aparecem dois outros importantes atores dos primórdios da TV: Heloisa Helena e Jacy Campos. Torna-se uma das principais atrizes pioneiras da televisão brasileira, sendo escalada para diversos seriados e teleteatros, e chega a figurar em quatro diferentes elencos na mesma semana.
Nessa época, participa simultaneamente do Grande Teatro Tupi, no qual se destaca em A Herdeira, ao lado de Fernanda Montenegro e Sérgio Britto; do Teatro de Comédias, em diversas peças, entre as quais, Catarina da Rússia, ao lado do galã Herval Rossano; do Câmera Um, de Jacy Campos; do Teatro Gebara, dirigido por Fábio Sabag, e do Teatro de Equipe, dirigido por Paulo Porto, quando recebe os maiores elogios por seu desempenho em A Esquina Perigosa, de J.B. Priestley, contracenando com Heloisa Helena, Daniel Filho e Paulo Porto.
O seriado A Canção de Bernadete (1957), de Franz Werfel, com direção de Paulo Porto e estrelado por Aracy Cardoso, dá-lhe grande popularidade ao interpretar a freira má que persegue a protagonista. Paralelo à televisão, faz dublagens e integra o elenco estelar da Cine-Castro, dirigida por Carla Civelli, onde dubla ao lado de Natália Thimberg, Alberto Perez, Cláudio Corrêa e Castro, Ângela Bonatti, José Miziara, Daniel Filho e Cláudio Cavalcanti. Torna-se a voz oficial de Bette Davis em seus principais desempenhos no cinema para as versões na televisão.
Em 1967 entra para a TV Globo e estreia na novela A Rainha Louca, de Glória Magadan. Permanece na emissora até os dias de hoje. Na primeira fase da TV Globo participou de grandes sucessos, como A Gata de Vison (1968/69); A Ponte dos Suspiros (1969); A Última Valsa (1969);Verão Vermelho (1970); O Homem que Deve Morrer (1971); Dona Xepa (1977), dentre outros. EmO Astro (1977), de Janete Clair, destacou-se como a bondosa tia Magda, apaixonada por Salomão Hayala, interpretado por Dionísio de Azevedo. Em 1973 integra a primeira novela em cores, como a impagável Dorotéia Cajazeira de O Bem-amado, de Dias Gomes, dirigida por Régis Cardoso. O sucesso da novela é tão grande que ganha formato de seriado sete anos depois, com Ida e os mesmos protagonistas: Paulo Gracindo, Lima Duarte, Emiliano Queiroz e Dirce Migliaccio. Seu mais recente trabalho na TV foi na minissérie JK, de Maria Adelaide do Amaral, dirigida por Denis Carvalho.
No cinema estreia em Bonitinha Mas Ordinária (1963), dirigida por J.P. Carvalho. Encena O Mundo Alegre de Helô (1967), de Carlos Alberto de Souza Barros; A Penúltima Donzela (1969), de Fernando Amaral, ao lado de Djenane Machado e Adriana Prieto; e O Casal (1975), de Daniel Filho, ao lado de Sonia Braga e José Wilker. Em 1988 filma Primeiro de Abril, Brasil, com a diretora Maria Letícia. Depois de tempos afastada do cinema, retorna em Copacabana (2001), de Carla Camurati, e em O Amigo Invisível (2005), de Maria Letícia.
Sua carreira em teatro começa quando ainda é adolescente, em 1953, no Teatro do Estudante, de Paschoal Carlos Magno. Em 1957 estreia no teatro profissional em O Primo da Califórnia, de Joaquim Manuel de Macedo, direção de Alfredo Souto de Almeida. Com o diretor João Bethencourt, volta aos palcos em 1965 na peça As Feiticeiras de Salém, de Arthur Miller. Em 1971 atua no musical Um Violinista no Telhado, de Joseph Stein, direção de Wilfredo Ferrán. Em 1990 faz No Natal a Gente Vem Te Buscar, de Naum Alves de Souza, direção de João Albano, ao lado de Lucélia Santos. Suas mais recentes atuações nos palcos aconteceram em Bodas de Ouro(2002), de Vicente Maiolino, protagonizando ao lado de Carlos Alberto um casal de idosos; O Avarento (2003), de Molière, direção de João Bethencourt, com Jorge Dória no principal papel; eTio Vânia (2003), de Tchecov, com Diogo Vilela e Débora Bloch, direção de Aderbal Freire-Filho. Em 2006, sob a direção de Leon Góes, participa de Rainha Esther, de André Chevitarese.
Criadora de personagens marcantes na televisão e no teatro, dedica-se integralmente à carreira e ao convívio com os amigos, sendo considerada por todos uma mulher de forte personalidade e de talento comprovado.
Nota da redação: A atriz Ida Gomes morreu no dia 23/02/2009, aos 75 anos, no Rio de Janeiro.

sábado, 4 de agosto de 2012

Glauce Rocha, eterna


GLAUCE ROCHA, A INTENSIDADE DE UMA GRANDE ATRIZ

Intensa, com alta dose de dramaticidade e emoção à  flor da pele, Glauce Rocha foi uma dessas atrizes que marcam época e após a morte passam a ser mito. Poucas atrizes viveram com tamanha grandeza o ofício para a qual vieram predestinadas. Fez do teatro sua razão de viver, viveu e sofreu com o furor de uma guerreira e finalmente, morreu jovem, aos 41 anos de idade, em meio às gravações da novela O Hospital da TV Tupi. Deixou gravada na história do teatro nacional a marca de uma atriz inigualável. Uma das maiores divas do Teatro Brasileiro em todos os tempos!

Glauce Rocha

Glauce Rocha

Glauce Rocha

Glauce Rocha

Glauce Rocha

Glauce Rocha

Glauce Rocha em Polyana, teleteatro, TV Rio, 1958

Glauce Rocha

Glauce Rocha

Glauce Rocha

Glauce Rocha em Electra (1965)

Glauce Rocha
Glauce Rocha  coroada  Rainha dos Artistas, tendo Sérgio Cardoso como príncipe consorte. 

Glauce Rocha passando a coroa de Rainha dos Artistas para  Tônia Carrero.  Francisco Cuoco sucedeu Sérgio Cardoso como príncipe consorte. 

Glauce Rocha com Francisco Cuoco, Tônia Carrero e Sérgio Cardoso

Glauce Rocha no carnaval de 1970

Glauce Rocha como Rainha dos Artistas no carnaval do Rio

Glauce Rocha com a escritora Rachel de Queiroz autora da peça A Beata Maria do Egito, grande sucesso da atriz
Glauce Rocha com a escritora Clarice Lispector autora de Perto do Coração Selvagem, outro sucesso.
Glauce Rocha  conversando com Guilherme Dicken no programa  Almoço com as Estrelas

Glauce Rocha

Glauce Rocha

Glauce Rocha

Glauce Rocha na capa do livro Glauce Rocha Atriz Mulher Guerreira escrito por José Otávio Guizzo em 1992 e editado por Editora UFMS da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul

Glauce Rocha na capa do livro escrito por Adomar Conrado em 1996 na série Perfis do Rio da Editora Dumará em parceria com a Prefeitura do Rio de Janeiro

Glauce Rocha num álbum de figurinhas da revista Romântica

Glauce Rocha na novela Hospital


fotos: acervo de Orias Elias - revistas Amiga (Bloch Editores), Romântica (Editora Vecchi),Melodias  (Editora APA), Manchete (Bloch Editores), Cartaz (Rio Gráfica e Editora SA),Intervalo (Editora Abril), Arquivo B. de Paiva, Arquivo MAM-SP, arquivo Funarte

quinta-feira, 19 de julho de 2012

O esteta do silêncio

 Foto// Folha S. Paulo

“Pra mim, quem mais choca é o silêncio, sabe. Quando você está lá no palco e tem um silêncio, você pode criar até um pouco de pânico”


Esteta do silêncio

Com Foi Carmem, Antunes Filho mata os estereótipos do Brasil ensolarado e aprofunda elementos do teatro oriental

CAROLINE MARIA

O espetáculo Foi Carmen (2005) é fruto de uma homenagem ao centenário do dançarino e coreógrafo japonês Kazuo Ohno (1906-2010), considerado um mito do teatro butô. As referências explícitas à atriz e cantora luso-brasileira Carmen Miranda (1909-55) aparecem combinadas a elementos da dança oriental, como o silêncio, a pausa e o corpo retorcido.

Mas nem tudo no Brasil de Antunes são bananas, sambas e colares abaianados. Ele mata os estereótipos em cena e carrega nos tons de uma personagem obscura, de brilho fosco, quebrando as molduras às quais Carmen (solar e importada) teve sua imagem aprisionada. Como argumenta o diretor, sua Carmen foi, ela está morta.
Com direção hermética, de marcações precisas e imagens contundentes, Antunes Filho apresenta uma Carmen subvertida e invertida — como uma espécie de curupira brasileiro — acompanhada também pela figura típica do malandro do Rio de Janeiro.


Em Foi Carmen, você une dois homenageados: a cantora Carmen Miranda e o dançarino japonês Kazuo Ohno. Como você chegou nessa ideia?
Fui convidado a fazer um espetáculo para o centésimo aniversário do Kazuo Ohno. Então eu falei: vou pensar numa coisa que tenha a ver com o próprio Kazuo Ohno. Comecei a improvisar e pensei… o Kazuo um dia se impressionou com uma bailarina argentina (Antonia Mercé y Luque) e então fez o máximo espetáculo dele, o Admirando La Argentina (1977). Ele com o butô dele foi bolando alguma coisa com essa bailarina. Então eu falei: vou fazer a mesma coisa, algo paralelo. Vou pegar a Carmen Miranda e, em cima dela, vou tentar colocar o butô do Kazuo Ohno. Foi daí que nós começamos a fazer improvisações. O espetáculo foi todo pensado para fazer com os atores do CPT (Centro de Pesquisa Teatral, em São Paulo, dirigido por Antunes). Deu nisso. Uma homenagem ao Kazuo Ohno baseado na Carmen Miranda.


Carmen Miranda tornou-se uma artista grandiosa também porque rompeu paradigmas com sua arte. No caso do seu teatro, o que ainda vem para chocar?
Pra mim, quem mais choca é o silêncio, sabe. O silêncio cria uma pausa dinâmica. Quando você está lá no palco e tem um silêncio, você pode criar até um pouco de pânico. Você pode, a partir disso, fazer brotar mil coisas imaginárias em cada espectador. Esse era o processo do Kazuo Ohno. Ele usava muito o silêncio, o stop, a parada. Isso criava uma sensação que você não sabia o que viria por meio do teu inconsciente e do teu subconsciente. Isso é explorado muito no espetáculo… O silêncio, a pausa, o stop. Como uma forma de brotar coisas no inconsciente, algo muito próprio do Kazuo Ohno, que fazia o ato da dança dele em cima da pausa e do silêncio. E aí ele projetava coisas incríveis no seu imaginário. Isso tentei adotar no espetáculo por meio da figura da Carmen Miranda. É um espetáculo estranho. Eu gosto, é diferente de tudo que eu fiz. As pessoas veem e perguntam “Antunes fez isso?” (risos). A peça não tem nada a ver, mas tem a ver. Talvez seja a que tenha mais a ver. Não sei.


Sua Carmen aparece mórbida, sempre de costas, coberta. Você pensou em fazer um contraponto com os símbolos solares que são exportados sobre a cultura do Brasil?
Pensei somente em Kazuo Ohno, que na época estava com 99 anos, e na Carmen Miranda, que já não é mais, ela foi. Ela é vista de costas por quê? Porque você está vendo as costas dela, o passado. É a peça indo atrás das costas dela, atrás do rastro da vida.


O festival ergueu a bandeira da América Latina nesta 13ª edição. Você acredita que o teatro brasileiro dialoga com essa latinidade ou ainda está voltado para o teatro americano e europeu?
A América Latina é uma tendência muito forte hoje no Brasil. Pode existir esse teatro americano nas grandes cidades, nas capitais como São Paulo e Rio, mas no resto do Brasil acho que está florescendo um teatro local, que tem suas raízes na própria terra. O que é fundamental. A terra, a brasilidade... inclusive, o Sebastião Milaré (crítico e teórico teatral) começou a catalogar isso. Tem um trabalho enorme a esse respeito e ele me disse que é incrível o que se cria nesse Brasil, em todos os recantos desse Brasil. Há esse teatro mais cosmopolita, mas também há algum teatro que foge disso. O resto do Brasil está muito mais preocupado com o Brasil do que nós, os cosmopolitas.


Então onde estão as raízes do seu teatro?
O que me preocupa é a raiz do homem. O que me preocupa é isso. O homem, a sua história, o seu futuro, o seu devir. Esse é o teatro que me preocupa, sempre. Eu vou fazer um espetáculo agora que é sobre o Nossa cidade, do Thornton Wilder, e estou fazendo uma adaptação dramatúrgica completa. Eu quero falar não somente do Nossa cidade, mas fazer um diálogo com o Thornton Wilder, então eu faço uma desconstrução. Eu quero falar do homem total, do homem universal, discutir esse homem. Então eu discuto as posições dos Estados Unidos, as nossas, o que nós achamos… mas não de maneira boba, idiota ou panfletária. De maneira humana. Humana, sabe? Humana do homem. O homem no humano.

quarta-feira, 20 de junho de 2012

terça-feira, 19 de junho de 2012

Grandiosa revista de Walter Pinto






Livro analisa o acervo fotográfico de Walter Pinto, empresário que elevou a produção brasileira ao esmero internacional

SÉRGIO MAGGIO

A capital do Brasil era uma festa nos anos 1950. Mulheres lindíssimas de pernocas à mostra desciam escadarias iluminadas, num cenário luxuoso, de cair o queixo. De plumas e paetês, desfilavam como misses emendando palavras e canções que construíam um audacioso empreendimento cultural, que alinhava o Rio de Janeiro aos grandes centros de entretenimento do mundo. Ao redor dessa parafernália tecnológica, estava a fina flor da comédia nacional, que aparava as vedetes e as girls numa ágil cena que, como uma crônica, desenhava um país rumo aos anos alegres de JK.
Nos bastidores, Walter Pinto (1913 — 1994), o empresário que engrandeceu as revistas desde agosto de 1940, acompanhava, em detalhes, a magnífica obra se erguer diante de uma sociedade que se desenvolvia, tendo no teatro, uma expressiva forma de diversão. Yes, nós tínhamos o musical e era um luxo, que caminhava paralelo e imponente à renovação de formas e de processos de criação teatral, com a ascensão de grupos amadores como Os Comediantes, que tinham montado o histórico Vestido de noiva, de Nelson Rodrigues, em 1943 —  marco da entrada do Brasil na modernidade cênica. 
— A Companhia Walter Pinto não participou das discussões e reflexões sobre os rumos que o teatro deveria tomar, no entanto, esteve atuante durante as duas décadas que configuraram esse ambiente de busca de novos padrões de encenação e dramaturgia inspirados em modelos europeus. Se não houve canais explícitos de diálogo entre o empresário e os grupos de teatro de arte, sua permanência em cartaz evidenciou caminho paralelo de renovação, pau00tado nas tentativas de atualização do gênero, mediante a contínuos investimentos em aparato tecnológico, observa Filomena Chiaradia, no prólogo do livro Iconografia teatral, acervos fotográficos de Walter Pinto e Eugénio Salvador.
A obra é resultado de preciosa análise iconográfica do acervo tanto da companhia brasileira de Walter Pinto (1940 — 1961), quanto da portuguesa de Eugénio Salvador (1908 —1992). Filomena teve acesso ao acervo dos dois criadores. O primeiro depositado sob os cuidados da Funarte, no Rio; o outro, guardado no Museu Nacional do Teatro, em Lisboa. É diante desses vestígios de um teatro apoteótico que a pesquisadora realiza importante análise iconográfica. São exercícios a partir de imagens históricas de revistas como Muié macho sim sinhô, nos quais a autora consegue explorar, em detalhes, o processo de produção dos elementos cênicos: cenários, objetos de cena e figurinos.


Recheio de vedetes
É possível observar parte da engenharia para erguer montagens complexas, com espécies de carros alegóricos como o “Bolo real”, “recheado” de vedetes e girls seminuas, como Virgínia Lane, Marina Marcel, Helena Martins e Joana D’Arc. A grandiosidade desse cenário, que tomava conta de toda a área cênica do Teatro Recreio (Praça Tiradentes), mostrava o quanto era potente o investimento de Walter Pinto para montar uma revista.
— Nessas imagens (de bastidores) não se evidencia o glamour, o belo, de forma tradicional; revela-se antes o truque, o modo de fazer, ou seja, outro sentido de beleza na perspectiva de construção de cena. Qual a intenção de Walter Pinto com relação a essas fotos em que se destacam o maquinário e o trabalho técnico da equipe? Uma hipótese é a de querer deixar registrado aquilo que era o motivo de seu orgulho: criar os melhores efeitos cenotécnicos, construir cascatas no palco, cortinas de fumaça, elevadores, propõe Filomena.
Entremeando a análise das imagens com fatos históricos, como o incêndio de 10 de novembro de 1950, que atingiu o escritório de Walter Pinto e um depósito de roupas do Teatro Recreio, Filomena Chiaradia segue em empolgante levantamento estético sobre os modos de produção das revistas de Walter Pinto, estendendo-se às de Eugénio Salvador (1908 — 1992), o grande nome dos musicais português no século 20.
— Assim como Walter Pinto no Brasil teve seu nome associado a espetáculos grandiosos, bem-acabados e com cuidadosa produção, atenta aos vários elementos indispensáveis à encenação de uma revista, Eugénio Salvador também primou por montagens de qualidade, contratando sempre elementos estrangeiros como atrações de destaque em cada espetáculo e mantendo elenco fixo. Bibi Ferreira trabalhou em cinco revistas de Eugénio Salvador, de 1957 a 1960, observa Filomena.        


ICONOGRAFIA TEATRAL, ACERVOS FOTOGRÁFICOS DE WALTER PINTO E EUGÉNIO SALVADOR.

De Filomena Chiaradia. Editora Funarte. 412 páginas. Preço R$ 47.