Livro analisa o acervo fotográfico de Walter Pinto, empresário que elevou a produção brasileira ao esmero internacional
SÉRGIO MAGGIO
A capital do Brasil era uma festa nos
anos 1950. Mulheres lindíssimas de pernocas à mostra desciam escadarias
iluminadas, num cenário luxuoso, de cair o queixo. De plumas e paetês,
desfilavam como misses emendando palavras e canções que construíam um
audacioso empreendimento cultural, que alinhava o Rio de Janeiro aos
grandes centros de entretenimento do mundo. Ao redor dessa parafernália
tecnológica, estava a fina flor da comédia nacional, que aparava as
vedetes e as girls numa ágil cena que, como uma crônica, desenhava um
país rumo aos anos alegres de JK.
Nos bastidores, Walter Pinto (1913 — 1994), o empresário que engrandeceu as revistas desde agosto de 1940, acompanhava, em detalhes, a magnífica obra se erguer diante de uma sociedade que se desenvolvia, tendo no teatro, uma expressiva forma de diversão. Yes, nós tínhamos o musical e era um luxo, que caminhava paralelo e imponente à renovação de formas e de processos de criação teatral, com a ascensão de grupos amadores como Os Comediantes, que tinham montado o histórico Vestido de noiva, de Nelson Rodrigues, em 1943 — marco da entrada do Brasil na modernidade cênica.
— A Companhia Walter Pinto não participou das discussões e reflexões sobre os rumos que o teatro deveria tomar, no entanto, esteve atuante durante as duas décadas que configuraram esse ambiente de busca de novos padrões de encenação e dramaturgia inspirados em modelos europeus. Se não houve canais explícitos de diálogo entre o empresário e os grupos de teatro de arte, sua permanência em cartaz evidenciou caminho paralelo de renovação, pau00tado nas tentativas de atualização do gênero, mediante a contínuos investimentos em aparato tecnológico, observa Filomena Chiaradia, no prólogo do livro Iconografia teatral, acervos fotográficos de Walter Pinto e Eugénio Salvador.
A obra é resultado de preciosa
análise iconográfica do acervo tanto da companhia brasileira de Walter
Pinto (1940 — 1961), quanto da portuguesa de Eugénio Salvador (1908
—1992). Filomena teve acesso ao acervo dos dois criadores. O primeiro
depositado sob os cuidados da Funarte, no Rio; o outro, guardado no
Museu Nacional do Teatro, em Lisboa. É diante desses vestígios de um
teatro apoteótico que a pesquisadora realiza importante análise
iconográfica. São exercícios a partir de imagens históricas de revistas
como Muié macho sim sinhô, nos quais a autora consegue explorar, em
detalhes, o processo de produção dos elementos cênicos: cenários,
objetos de cena e figurinos.
Recheio de vedetes
É possível observar parte da engenharia para erguer montagens complexas, com espécies de carros alegóricos como o “Bolo real”, “recheado” de vedetes e girls seminuas, como Virgínia Lane, Marina Marcel, Helena Martins e Joana D’Arc. A grandiosidade desse cenário, que tomava conta de toda a área cênica do Teatro Recreio (Praça Tiradentes), mostrava o quanto era potente o investimento de Walter Pinto para montar uma revista.
— Nessas imagens (de bastidores) não se evidencia o glamour, o belo, de forma tradicional; revela-se antes o truque, o modo de fazer, ou seja, outro sentido de beleza na perspectiva de construção de cena. Qual a intenção de Walter Pinto com relação a essas fotos em que se destacam o maquinário e o trabalho técnico da equipe? Uma hipótese é a de querer deixar registrado aquilo que era o motivo de seu orgulho: criar os melhores efeitos cenotécnicos, construir cascatas no palco, cortinas de fumaça, elevadores, propõe Filomena.
Entremeando a análise das imagens com fatos históricos, como o incêndio de 10 de novembro de 1950, que atingiu o escritório de Walter Pinto e um depósito de roupas do Teatro Recreio, Filomena Chiaradia segue em empolgante levantamento estético sobre os modos de produção das revistas de Walter Pinto, estendendo-se às de Eugénio Salvador (1908 — 1992), o grande nome dos musicais português no século 20.
— Assim como Walter Pinto no Brasil
teve seu nome associado a espetáculos grandiosos, bem-acabados e com
cuidadosa produção, atenta aos vários elementos indispensáveis à
encenação de uma revista, Eugénio Salvador também primou por montagens
de qualidade, contratando sempre elementos estrangeiros como atrações de
destaque em cada espetáculo e mantendo elenco fixo. Bibi Ferreira
trabalhou em cinco revistas de Eugénio Salvador, de 1957 a 1960, observa
Filomena.
ICONOGRAFIA TEATRAL, ACERVOS FOTOGRÁFICOS DE WALTER PINTO E EUGÉNIO SALVADOR.
De Filomena Chiaradia. Editora Funarte. 412 páginas. Preço R$ 47.
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