Projeto concebido originalmente para a área de Ideias do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) Brasília, Mitos do Teatro Brasileiro é calcado na memória das artes cênicas nacionais.

sexta-feira, 6 de abril de 2012

Senhora do Tempo



O ano de 1941 ainda está na cabeça de Bibi
Ferreira. Ela, uma garota demasiadamente
inebriada, nem tinha ciência
do passo que daria na estreia profissional,
com o espetáculo O inimigo das mulheres,
de Carlo Goldoni. Nos bastidores do Teatro Serrador,
via o pai, Procópio Ferreira, de mãos trêmulas,
nervoso de felicidade. Em casa cheia, o
público cativo de teatro não tirava os olhos da
filha do maior ator cômico do Brasil. Inconsciente
da devoradora expectativa, a aspirante a
atriz cumpriu a função e viu os aplausos e a crítica
selarem o destino dela: nascia ali o fenômeno
Bibi Ferreira, que chega aos 90 anos como
dama absoluta dos palcos brasileiros.
— Hoje, aqui nesta noite, está aberta
oficialmente a minha filial, diria profeticamente
Procópio Ferreira, em 1944, quando
jovem Bibi assumia a função de empresária
à frente de sua companhia teatral, com
a montagem Sétimo céu.
Ser cria artística daquele que foi o ator das
multidões já era em si um desafio grandioso.
Bibi Ferreira, no entanto, rompeu a condição
de filha de Procópio para se tornar uma artista
sem limites. Intérprete nascida em um
tempo em que o teatro brasileiro estava em
franco movimento de transição para a modernidade,
ela abraçou o ofício sem medo de
percorrer o movediço terreno entre a tradição
e a contemporaneidade. Não à toa, um
dos espetáculos mais emblemáticos da carreira
pertence à seara dos musicais políticos
dos anos 1970. Ela foi a primeira Joana, da
obra-prima Gota d’água, de Chico Buarque e
Paulo Pontes, encenada justamente no palco
do Tereza Rachel, em que sobe, amanhã, para
celebrar a longevidade artística.
— Retornar ao palco onde apresentei pela
primeira vez, em 1975, o musical Gota d’água
é de fato emocionante. Já faz algum tempo
que estamos amadurecendo a concepção
desse novo espetáculo para comemorar os
meus 90 anos de idade e a reinauguração
desse teatro. Nesse show, conto histórias da
minha vida que jamais havia revelado e reproduzo
os musicais que fiz e aqueles que eu
gostaria de ter feito, adianta Bibi Ferreira.
Atualíssima
Cercada por uma orquestra de 27 músicos,
regida pelo maestro Flávio Mendes, Bibi estará
sob os holofotes como uma artista que
atravessou a primeira década do século 21
atualíssima. O passado glorioso é apenas a
matéria-prima. Quem ficar diante de Bibi Ferreira
vai, sobretudo, apreciar o aqui e agora de
uma voz que arrebata a plateia e a lança ao êxtase.
Cantando a francesa Piaf, a portuguesa
Amália Rodrigues ou compositores brasileiros
(Nossos momentos, de Haroldo Barbosa e Luís
Reis), ela une a capacidade invulgar de unir as
interpretações de atriz e de cantora num só
corpo. Ela pisa no palco ao som de Malandragem,
sucesso de Cazuza na voz de Cássia
Eller, e segue entre um pot-pourri de Gota d’água
e temas de musicais da Broadway.
— É um sonho reabrir esse teatro com a
incrível Bibi Ferreira. Ela é de uma vitalidade e
de uma vivacidade admiráveis. Quero chegar
aos 90 assim, projeta o jovem produtor e empresário
Frederico Reder, 28 anos, responsável por
reativar o Teatro Tereza Rachel (agora Theatro
Net Rio), que, em 2001, virou templo evangélico.
Com temporada de dois meses, Bibi —
Histórias e canções lança pontes para uma
nova geração, acostumada a pautar a existência
dos ídolos do palco a partir da aparição
nos programas televisivos, percorrer os multicaminhos
da diretora, responsável por sucessos
históricos — a exemplo de Brasileiro,
profissão: esperança, de Paulo Pontes, que teve
as duplas Maria Bethânia & Ítalo Rossi e
Clara Nunes & Paulo Gracindo revezando-se
em duas temporadas distintas — e por incontáveis
montagens comerciais; da atriz e da
cantora, que viaja o mundo, num francês irretocável,
a recriar as canções da Piaf. Quando
se unem, Bibi e Piaf tocam a perfeição.

BIBI – HISTÓRIAS E CANÇÕES
Theatro Net Rio (Shopping Copacabana). De
sexta a domingo, até 27 de maio. Ingressos:
R$ 150 (plateia inferior) e R$ 100 (Balcão).
Não recomendado para menores de 12 anos.
Informações: www.theatronetrio.com.br.

Naturalmente
democrático
O histórico Teatro Tereza Rachel volta
reformado, de nome novo (Theatro Net
Rio) e com duas salas. A primeira,
inaugurada por Bibi, mantém o nome da
atriz e antiga proprietária. Surge
ampliada de 550 lugares para 798. A
outra, em construção, será batizada de
Paulo Pontes (dramaturgo e autor de
Gota d´água), com capacidade para 200
espectadores. O empreendimento
devolveu o espaço histórico ao circuito
cultural do Rio de Janeiro.
Aberto em 14 de outubro de 1971
(sucedendo a gestão de Ruth Escobar),
com o antológico show A todo vapor, de
Gal Costa, o Terezão, conhecido assim
pela ampla extensão ocupada no
Shopping Copacabana foi palco de
espetáculos históricos. Ali, lembra
Frederico Reder, teve Dzis Croquetes,
Gilberto Gil com o show 2222 e
Gonzagão em sua retomada gloriosa,
com Luiz Gonzaga volta pra curtir. A
ideia da atual gestão é seguir
naturalmente o caminho traçado ao
longo de quatro décadas e assumir o
perfil artístico diversificado e
democrático, interrompido pelo período
em que a casa foi arrendada por oito
anos para uma igreja evangélica.

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