Projeto concebido originalmente para a área de Ideias do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) Brasília, Mitos do Teatro Brasileiro é calcado na memória das artes cênicas nacionais.

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Um poema para Dina Sfat

Público se emocionou em homenagem a Dina Sfat no Mitos do Teatro Brasileiro

Mariana Moreira

Publicação: 24/11/2011 09:51 Atualização:

 (Ronaldo de Oliveira/CB/D.A Press )

A emoção, as imagens, a presença cênica, a humanidade, as ideias. Num mosaico composto por teatro, vídeos e depoimentos, a atriz Dina Sfat foi evocada em sua inteireza, durante o encerramento do projeto Mitos do Teatro Brasileiro, na noite da última terça-feira, no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB). Sua força feminina, artística e política estava por toda parte: na areia e no pôr do sol do deserto, origem de sua família, levados ao palco em uma das cenas. Nas inúmeras fotos projetadas, que derramaram sobre o público seus olhos grandes e expressivos. Na voz dos colegas Maria Alice Vergueiro e Ednei Giovenazzi, que reviraram seus baús de recordações ao lado da amiga e colega de ofício.

O primeiro ato da exaltação à atriz foi o miniespetáculo Arena conta Dina Sfat, biografia teatralizada com base no método curinga, criado por Augusto Boal. Algumas pessoas da plateia foram colocadas no palco e sorteavam a ordem das cenas, escritas pelo diretor-dramaturgo Sérgio Maggio e interpretadas por J. Abreu e Juliana Drummond. Durante 35 minutos, fizeram um passeio por fatos marcantes de sua trajetória.

No princípio, havia a força das mulheres da família Kutner. (Sua avó, vinda de Sfat, cidade israelense conhecida como centro artístico e berço da cabala, sempre dizia: “Goza, minha filha. Goza e aproveite tudo o que puder”). Outros fragmentos relembraram o encontro com o marido, o ator Paulo José, e o mergulho no teatro politizante do Arena (a atriz chegou a participar de uma temporada de Eles não usam black-tie. No início, ela não era politizada, mas adorava ser porta-voz daquelas ideias). Seu enfrentamento à ditadura ganhou um capítulo especial. Durante a participação em um programa de televisão, teve um confronto velado com um general. Enquanto ele se vangloriava do regime ditatorial, a atriz reagia silenciosamente, com as expressões faciais. Ao ser questionada pelo militar se teria alguma pergunta para ele, respondeu: “Tenho medo de generais.”

O desabafo da pantera
Em sua fala, a atriz Maria Alice Vergueiro emocionou-se e tocou a plateia, ao traçar um paralelo entre a sua trajetória e a da amiga. Separada, com filhos pequenos, vinda da alta sociedade, a musa do Tapa na pantera sequer sabia se queria mesmo ser atriz. Tímida e desajeitada no ambiente masculino do Arena, sentia-se rejeitada por seus pares. Dina, percebendo sua fragilidade, a acolheu e aconselhou: “Bota pra quebrar”. “Hoje, entendo bem o caminho que ela me indicou e é um prazer estar aqui com ela comemorando essa luta da mulher. Dina misturou a família, pulou no palco e botou pra quebrar”, reconhece.

Ednei Giovenazzi (E) e Maria Alice Vergueiro emocionaram-se ao falar de Dina, enquanto Juliana Drummond e J. Abreu encenaram a biografia da atriz (Ronaldo de Oliveira/CB/D.A Press )
Ednei Giovenazzi (E) e Maria Alice Vergueiro emocionaram-se ao falar de Dina, enquanto Juliana Drummond e J. Abreu encenaram a biografia da atriz
Surpreso com o teor da homenagem, Ednei Giovenazzi, colega da atriz em inúmeras novelas e montagens teatrais (como o clássico Hedda Gabler, que teve um trecho encenado) selecionou fatos históricos, mas decidiu dar um tom emocional à sua fala. Recordou a primeira vez em que a viu no palco, com o frescor de uma iniciante. “Quando vemos um ator pela primeira vez, temos a sensação de que ele está atuando como se fosse a sua estreia. Ela tinha uma espontaneidade física, gestos expressivos, nunca era demais ou de menos”, relata.

A aproximação dos dois se deu quando ela o convidou para o papel de mocinho em Hedda Gabler. Mas, nos ensaios, o ator sentia que não alcançava o tom e as expectativas da colega. Durante a temporada, alimentou uma certa insegurança, que só se dissipou na última sessão da peça, em Fortaleza. Na cena em que deveria lhe entregar uma arma, a atriz aproximou-se de seu rosto e lhe roçou os lábios suavemente. “Ali, nossa amizade estava selada para sempre. Foi o momento mais feliz da minha vida em cena”, reconhece.


O LADO MAMÃE
» As entrevistas em vídeo também completaram o relicário afetivo em torno de Dina. O cantor Milton Nascimento, fã confesso de teatro, teve a oportunidade de contracenar com ela no filme Os deuses e os mortos, de Ruy Guerra. “Ela fez o papel de uma louca, mas que dizia coisas muito sérias. Era uma atriz completamente divina”, conta ele, que se inspirou na musa para compor a canção Cravo e canela. Antônio Gilberto, que trabalhou durante anos com a atriz e é autor da biografia Dina Sfat: retratos de uma guerreira, montou uma exposição com retratos dela. Uma das curiosidades da noite foi a exibição de um vídeo da estrela, ao lado da cantora Elis Regina e da atriz Regina Duarte. As três brincam com os filhos, ainda bebês, enquanto interpretam o poema Enjoadinho, de Vinicius de Moraes (“Filhos, melhor não tê-los. Mas se não os temos, como sabê-lo?”).

Nenhum comentário:

Postar um comentário