![]() |
FOTO: reprodução web |
Dama do teatro brasileiro e irmã da mítica Cacilda Becker, atriz deixa legado marcado pelo amor incondicional aos
palcos
SÉRGIO MAGGIO
Cleyde Yáconis não gostava de
multidões. Era avessa às badalações. Reuniões só se fossem de trabalho. Puxou a
mãe, dona Alzira, que desmaiava quando estava em ambientes repleto de humanos.
A atriz só suportava os olhares alheios se estivesse no silêncio do teatro.
Ali, desnudava-se, por inteira, para 300, 600, 5 mil espectadores que fosse. Era
um mistério. Subia ao palco e se transformava no caldeirão vivo de pulsões.
Quem a acompanhava em cena se modificava junto. Aliás, presenciar essa
intérprete em seu ofício era um exercício de conhecimento. Aprendia-se acompanhando cada gesto e ação de
uma das maiores atrizes brasileiras, que morreu ontem aos 89 anos, no Hospital
Sírio Libanês (SP), depois de uma vida intensa dedicada, sobretudo, às artes
cênicas.
De sua geração, não há
dúvidas, Cleyde Yáconis era dona de um dos mais respeitáveis repertórios que
uma atriz pode constituir. Só no Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), passou 13
anos experimentando o mais requintado rol de peças mundiais. Foi ali que se
descobriu atriz, sem grandes preparações para a noite de estreia. Primeiro
acompanhava a irmã, e que irmã, Cacilda Becker, aos ensaios. Depois, passou a
tomar conta do guarda-roupa da companhia paulistana, que botou o teatro
brasileiro nos trilhos da modernidade. Um dia, a estrela Nidia Lycia precisou
se ausentar de um espetáculo e ela se ofereceu para substituí-la. Todos ficaram
preocupados.
—Todo mundo ficou confuso, sem saber o que fazer, e eu, bem irresponsável, falei:
Ué, não basta repetir tudo que a Nidia fazia?
A substituta não só repetiu tudo direitinho como deu o seu molho ao
personagem, ao ponto do mítico diretor Ziembinski a convidá-la para participar
do próximo espetáculo dele, Pega-fogo,
protagonizada por Cacilda Becker. O trabalho bem-pago folgava os gastos de
Cacilda com a irmã e era uma forma garantida
para a menina comprar os seus livros. Até este momento, Cleyde sonhava em ser
médica, cientista. Teatro era uma deliciosa brincadeira. Com a irmã, fez ainda a histórica montagem de Maria Stuart, com direção de Ziembinski.
— Confesso, sempre fiz teatro de um modo totalmente lúdico. Faço teatro
como brincadeira. Se não tiver prazer
em fazer da mentira uma verdade, se não estabelecer com o público o pacto de
brincarmos juntos, de fazer de conta, o teatro se torna repetitivo e tedioso.
E foi nesse esconde-esconde de personagens que Cleyde Yáconis foi
ficando no palco e construindo uma história ímpar. Começou com pequenas
participações, passou pelas personagens coadjuvantes até chegar à condição de
decidir qual projeto protagonizaria na próxima temporada. Costumava dizer que
sempre tinha de dois a três propostas para escolher. A que mais instigava a sua
visão humanística era a escolhida.
— Prefiro representar os autores que mostram o ridículo do ser humano, essa besteirada, essa palhaçada, essa irresponsabilidade que os homens estão fazendo com a Terra. Acho fantástico quando os autores teatrais denunciam isso com humor negro, porque nos atingem integralmente e obrigam o ser humano a rir de si mesmo.
Atriz mítica
Cleyde Yáconis deu voz a muitos
autores. De Shakespeare e Eurípides; Jorge Andrade e Nelson Rodrigues.
Construiu uma carreira que passou incólume às
tentações televisivas. Ela que viu muitos grandes intérpretes dos palcos trocar
as peças por telenovelas, manteve-se firme, visitando produções de quando em
quando. A última foi Passione, quando
fez a espevitada Brígida. A TV Globo montou uma estrutura especial para ela
gravar a novela. No meio da narrativa, caiu e quebrou o fêmur. O último espetáculo que fez foi O caminho para Meca, em 2008. Mas
apareceu ao público, ano passado, numa série de leituras que homenageava Nelson
Rodrigues, quando revezou leitura de crônicas com Denise Fraga.
A última passagem de Cleyde Yáconis por Brasília foi em 2003 com Longa jornada dia e noite adentro,
clássico de Eugene O’Neill, no palco do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB).
Com direção de Naum Alves de Souza e contracenando com Sergio Britto, a atriz
dava vida à aristocrata Mary Cava Tyrone que enlouquecia minuto a minuto, numa atuação
magistral que lhe rendeu o Prêmio da Associação Paulista de Críticos de Artes
(APCA). Quem viu levará para sempre essa
intérprete na memória.